sábado, 28 de maio de 2011

Pontos e Vírgulas.*

Coluna destinada a comentar as opiniões emitidas pelo órgão responsável pela chegada de informações ao público aficionado pelo futebol: a imprensa esportiva. Afinal, bem ou mal, é através dela que tomamos conhecimento de (quase) tudo o que cerca o mundo da bola.
Jornalismo de conveniência.
Há algumas semanas, Tiago Leifert, apresentador do Globo Esporte, declarou em entrevista ao fotógrafo J. R. Duran que a sua emissora não noticia eventos esportivos cujos direitos pertencem às concorrentes:
Na hora de conversar sobre direitos esportivos a gente tem que perder o romantismo. Eu sou muito cobrado: ‘Por que você não fala de Fórmula Indy?’ Simples: porque eu não tenho o direito de falar de Fórmula Indy, meu amigo! Existe uma ideia errada de que a Globo tem que falar de tudo porque o cara quer ver tudo na Globo. Meu amigo, muda de canal pra ver a sua notícia! Não tem Fórmula Indy na Globo, não vai ter Panamericano na Globo, não vai ter Olimpíada na Globo! Essa cobrança é puro romantismo! A gente tem que perder essa mania de achar que tudo é uma força do mal. Não é isso, é negócio. Quem paga mais leva e quem leva exibe.”
Na última quarta-feira, foi a vez do apresentador do Redação Sportv, André Rizek, se defender das cobranças de que a Globo estaria omitindo a notícia veiculada pela BBC que acusa o presidente da CBF Ricardo Teixeira e o ex-presidente da FIFA João Havelange de terem recebido propina da falida ISL: “Quando for relevante e tiver grande repercussão na mídia, o fato sempre estará no Redação. Não faço campanhas, faço jornalismo. Não menosprezo quem aposta neste assunto, não. Respeito. Mas, desqualificar quem optou por outros destaques em sua pauta é ridículo. Amigo, sinto frustrá-lo… Mas a BBC infelizmente está noticiando algo que ocorreu em julho de 2010.”
Não é preciso ser formado em jornalismo para perceber o quanto essas declarações são absurdas. No primeiro caso, se a Globo não tem direitos sobre determinado evento, isso não significa que ela deva ignorá-lo. Os Jogos Olímpicos, por exemplo, são simplesmente o maior evento esportivo do mundo. Não é possível passar por cima como se eles não existissem. Mesmo que os direitos pertençam à Record, os recordes, os resultados e as notícias mais relevantes devem ser veiculados na Globo sim, mesmo que isso signifique fazer propaganda para a concorrência. E como estamos tratando de um programa esportivo não é uma questão de escolha, mas uma obrigação jornalística.
No caso da omissão das denúncias feitas pela BBC, ao contrário do que Rizek disse, o fato é relevante e atual porque trouxe à tona o nome do atual presidente da CBF como um dos envolvidos no esquema de propinas montado pela ISL. Um fato novo, visto que a emissora britânica ainda não havia noticiado o envolvimento de Teixeira e Havelange.
Essa postura remete a 2001, última vez que alguma atração global denunciou Ricardo Teixeira, quando o programa Globo Repórter exibiu um dossiê que fazia diversas acusações ao dirigente. Na ocasião, além da crise diante da possibilidade do Brasil ficar fora da Copa de 2002, havia a dificuldade de renovação dos direitos televisivos do futebol brasileiro.
De lá para cá, a relação entre Globo e CBF praticamente não viveu mais turbulências. E mais: a emissora age como espécie parceira da entidade máxima quando o assunto é o Mundial de 2014. As críticas silenciaram, os privilégios se tornaram ainda maiores e as denúncias são varridas para debaixo do tapete. Para os executivos globais, a CBF é antes de tudo um parceiro comercial. A entidade vende o nosso futebol e quem o repassa ao público não quer desvalorizá-lo nem entrar ao atrito com o parceiro. Como disse Tiago Leifert no trecho acima, a era do romantismo acabou. Hoje tudo é negócio. Jornalismo? O que é isso mesmo?
Crédito da Imagem: J. R. Duran
*Em virtude da publicação desta coluna voltada para o jornalismo, a série “Tipos de Jornalista Esportivo” retorna na próxima semana.

4 comentários:

Anônimo disse...

Os apresentadores citados apenas reproduzem as ordens vindas de cima, infelizmente. É uma pena a Globo ter essa postura em detrimento do bom jornalismo. Quer dizer então que só é notícia aquilo que ela transmite? Imagine se ela perdesse os direitos de transmitir a Copa do Mundo. Ficaria um mês ocultando o maior evento do mundo? Me faz lembrar a Campanha das Diretas-Já, de 1984, em que ela ignorou até onde pode, mas aí por questões ideológicas, claro. Mas o clamor popular era tão forte que a Globo não resistiu e passou a abordar o assunto. Abs

Michel Costa disse...

Você tem razão. São ordens de cima. O mais curioso é como esses profissionais compram a ideia também e defendem o discurso institucional com unhas e dentes. Chegou a ser constrangedor ler há alguns anos os argumentos do Noriega defendendo o fim dos pontos corridos no Brasileirão. Eram argumentos tão frágeis que fico imaginando como profissionais tão experientes podem acreditar neles.
E, infelizmente, outros áreas como a política e a econômica também parecem seguir o mesmo padrão ideológico.

Abraços.

marcus Buiatti disse...

A crítica é mais que válida. eu entendo (não concordo) os profissionais. Estão defendendo o ganha-pão. Alguns talvez acreditem nisso ou caem o tal auto-engano.

Acho que, como sempre, o grande "juiz! desta causa deveria ser o público. Não Estado interferindo, como muita gente prega, pois o risco neste caso é SEMPRe grande de totalitarismo e ideologia da mesma forma.

O público hoje tem inúmeras formas de se manifestar e a Globo, acho eu, está perdendo respeito cada vez mais. Mas ainda não perde audiência. Até quando?

Acho que é processo gradual e inexorável de queda...ou mudança.

Michel Costa disse...

Esse é o ponto, Marcus. Até entendo que os executivos da Globo pensem apenas no negócio, mas não consigo admitir um jornalista mandando para o alto tudo o que a profissão representa e assumindo o discurso institucional. Quer trabalhar lá? Ótimo, pois é um direito e deve ser uma das empresas que melhor remunera. Porém, não me venham com o discurso maquiado porque comigo não cola. E, felizmente, também não cola com os leitores deste blog.
Quanto a possível perda de audiência, acredito que ela depende do que é oferecido noutros canais ou mídias. A internet, por exemplo, vem afastando cada vez mais as pessoas da TV. O mesmo pode ser dito das TVs por assinatura, mais acessíveis para a nova classe média brasileira. Mesmo assim, acredito que a Globo seguirá como líder de audiência por um bom tempo ainda.

Abraço.