terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O 7 a 1 e os pandas

O ex-jogador Gérson costuma repetir uma lição que recebeu de seu mestre Valdir Pereira, o Didi. Certa vez, atuando juntos no meio-campo do Botafogo, o Canhotinha ouviu que não era necessário adiantar a marcação porque o adversário teria que passar por ali caso quisesse chegar ao gol. Sendo assim, se ficassem posicionados, poderiam recuperar a bola e iniciar o contra-ataque. Com a categoria de ambos, não é difícil imaginar quantas jogadas elaboraram nas 21 ocasiões em que estiveram lado a lado no meio-campo alvinegro.
O tempo passou e hoje sabemos que alguns conceitos do futebol mudaram. O terreno de jogo foi “encurtado” e pressionar no campo do rival faz parte da estratégia de se obter a posse o mais próximo possível da meta inimiga. Para que chegássemos a esse entendimento, vimos seleções como a Holanda de 1974, times como o Milan de Arrigo Sacchi e, mais recentemente, o Barcelona de Pep Guardiola. Mesmo assim, a proposta simplificada pelo chamado Príncipe Etíope continua viva em equipes como o Chelsea de José Mourinho e o Atlético de Madrid comandado por Diego Simeone.
Discutir conceitos faz bem ao futebol. Curiosamente, isso é o que menos se faz no Brasil. É como se o esporte fosse encerrado em si mesmo, sem grande necessidade de se debater sua filosofia. Após o fatídico 7 a 1, o mínimo que se poderia esperar da CBF era a organização de um grande simpósio para que os maiores nomes do nosso futebol pudessem se reunir com seus pares estrangeiros com o objetivo de entender tanto o que aconteceu no Mineirão como os rumos do futebol brasileiro a partir dali. Do mesmo modo, seria interessante ver algo semelhante na imprensa. É triste constatar que o primeiro SporTV Repórter sobre o tema teve Valesca Popozuda como convidada.
A ausência de debates mais sérios possivelmente é a razão para tantos pensamentos soltos e tantas analogias forçadas. Hoje, quando se mostra qualquer problema do futebol brasileiro ele invariavelmente é seguido de alguma referência ao revés de 8 de julho como se tudo estivesse num só pacote e não pudesse ser observado separadamente. Se a ligação entre a estrutura do país e a seleção nacional fosse tão intrínseca em países exportadores de talento, dificilmente a Argentina teria feito frente à Alemanha na decisão da última Copa.

Quanto mais o tempo passa, maior se torna a sensação de que uma oportunidade única está sendo perdida. Com as vitórias da Seleção de Dunga nos amistosos e provavelmente nas Eliminatórias, o 7 a 1 começará a se tornar apenas um grande ferimento mal cicatrizado. Lembraremos do que o causou, mas não do que fizemos para que aquilo não se repetisse. Enquanto nada acontece, a impressão é que toda vez que alguém usa o 7 a 1 em vão, um panda morre. E como eu gostaria que preservassem o simpático urso.  

Imagem: Wikipédia e Vipcomm

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Anjos brancos à beira de outro inferno

Atual campeão europeu e mundial, o Real Madrid vive uma crise insólita. O futebol que assombrou os gramados em 2014 não tem sido visto neste ano. O contra-ataque avassalador não vem sendo tão eficiente e a defesa antes segura vem apresentando falhas comprometedoras. Nas lesões de jogadores importantes como a do croata Modric está parte da explicação para a queda de produção, mas a atual fase dos merengues faz com que os observadores de futebol mais antigos se lembrem do fracasso da primeira Era Galáctica.
Tudo começou em 2000. Florentino Pérez, em sua primeira passagem pela presidência do Real Madrid, implantou uma filosofia que unia a visão mercadológica do novo século com o romantismo do passado glorioso do clube. O primeiro a chegar foi Luís Figo, com direito ao choque causado pelo pagamento da multa contratual ao Barcelona. Em seguida, foi a vez do gênio francês Zinedine Zidane. Depois do Mundial de 2002, Ronaldo desembarcou para inaugurar definitivamente o período galáctico. Três estrelas que somadas ao prata da casa Raúl e a Roberto Carlos faziam a diferença em campo com o suporte de atletas voluntariosos como Michel Salgado, Claude Makelele e Flávio Conceição.
Como explica o jornalista britânico John Carlin em seu excepcional livro “Anjos Brancos”, a fórmula de Pérez era relativamente simples:
– Um time que reúne as maiores estrelas do futebol é imbatível;
– Este time não precisa de complicados esquemas táticos;
– Mesmo não ganhando sempre, porque o imponderável habita o futebol, a arte e o espetáculo ficam para a eternidade;
– Como o futebol é a maior religião do mundo, um time com estrelas globais tem uma torcida mundial;
– O torcedor é um ser absolutamente fiel;
– Qualquer grande corporação internacional pagará o que for preciso para ter seu nome associado a este super time;
– O time mais caro do mundo é também o mais barato.
As coisas caminharam bem até a chegada de David Beckham em 2003. Astro cuja imagem ultrapassava os limites do esporte, o inglês parecia ser a peça que faltava ao panteão madridista, uma vez que, além da qualidade técnica, trazia consigo uma legião de fãs, sobretudo na Ásia. Contudo, a engenharia financeira proposta por seu mandatário não era capaz de operar milagres. Para a inclusão de Beckham, alguns cortes precisaram ser feitos. Com isso, os alguns dos principais carregadores de piano deixaram o clube e deram lugar à política que ficou conhecida como Zidanes y Pavones, alusão direta aos craques que se juntavam aos jovens da base como o mediano zagueiro Francisco Pavón. No início funcionou. O time liderou boa parte da temporada 2003/4 e Florentino pôde saborear aquilo que julgou ser o crepúsculo dos catedráticos do futebol e seus esquemas mirabolantes. Porém, o fôlego do elenco curto, embora talentosíssimo, arrefeceu após a virada de ano e terminou numa impensável quarta colocação.

Qualquer semelhança com o momento atual não é mera coincidência. Embora alguns conceitos tenham mudado – como a necessidade de destruidores no meio-campo – mesmo um time estelar não pode prescindir de boas as condições físicas, táticas e, logicamente, psicológicas. A festa de aniversário promovida por Cristiano Ronaldo após a goleada por 4 x 0 imposta pelo Atlético de Madrid caiu como uma bomba junto à torcida. “Seu riso, nossa vergonha” eram as palavras que estampavam a faixa que alguns torcedores levaram ao centro de treinamento dos blancos. Conhecido por sua capacidade de gerir grupos compostos por jogadores renomados, Carlo Ancelotti terá a dura missão de recolocar sua equipe nos trilhos já neste sábado no estádio Santiago Bernabéu diante do Deportivo La Coruña com a esperança de que a história não se repita mais uma vez.
Imagens: Reproduções Youtube e Instagram

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O otimismo para escanteio

Neste fim de semana, a bola voltou a rolar em partidas oficiais nos gramados brasileiros. É o retorno dos campeonatos estaduais, competições que ocupam um terço da temporada e que, ano após ano, perdem mais um pouco do prestígio que ainda resta. E, ao contrário do que recomendaria a lógica, seus dirigentes não se mostram interessados e transformá-los em algo muito diferente de um estorvo num calendário que precisa ser revisto com urgência.
O argumento da tradição dos Estaduais não se sustenta na prática. Com folhas de pagamento milionárias, os clubes precisam buscar receitas maiores a cada dia e enfrentar adversários fracos em estádios vazios tornou-se algo absurdamente contraproducente. Neste momento, apenas a cota de TV justifica em parte a existência desses torneios. No entanto, as televisões pagam para transmitir partidas das agremiações mais conhecidas. São as exibições de times como Corinthians, Flamengo, Cruzeiro, Internacional e demais grandes que movem o interesse do público. Por consequência, é óbvio supor que esse pagamento seria potencialmente maior num cenário onde o Brasileirão começasse em fevereiro ou março.
Paralelamente, muitos temem que o fim dos Estaduais representaria também o fim dos pequenos clubes que tanto contribuem para a grandeza do futebol brasileiro. Entretanto, é justamente o contrário. Grande parte dos times menores não tem atividades após o encerramento de suas etapas regionais. Para muitos atletas, quase todos mal remunerados, o ano termina antes de sua metade. Não há nem ao menos a chance de atuar durante toda a temporada regular. Uma triste realidade que CBF e federações ignoram quando elaboram o calendário.
Bem mais significativo do que a proposta redução de datas dos Estaduais seria a saída dos grandes clubes e a transformação em campeonatos regionais extensos que preencham todo o calendário dos times de menor investimento. Uma iniciativa que iria ao encontro das reivindicações do movimento Bom Senso FC, como uma proposta de um futebol melhor para todos. Ou, pelo menos, melhor para quem realmente se preocupa com ele, algo que, em princípio, não parece ser o caso dos dirigentes da Federação do Rio de Janeiro e de Eurico Miranda, novo/velho presidente do Vasco da Gama.
Numa decisão claramente arbitrária, a Ferj estipulou entre R$ 5 e R$ 50 os preços dos ingressos para o Campeonato Carioca em 2015. Se a intenção fosse apenas defender os interesses do torcedor seria perfeito, mas há indícios de que não se trata disso. A começar pela falta de diálogo com seus filiados, aqueles que são a razão da existência de qualquer federação. Com a decisão unilateral, Flamengo e Fluminense terão prejuízo em jogos no Maracanã, estádio cujo custo médio de cada torcedor atinge R$ 12. Com as famigeradas meias-entradas, uma máfia em nosso país, grande parte da torcida adentra o estádio pagando metade do ingresso. Ou seja, na prática, é como se a Ferj estivesse estipulando parte da carga de ingressos em R$ 2,50 a R$ 25, ignorando os reflexos dessa decisão nas finanças dos clubes.
Outro indício é a influencia de Eurico Miranda junto à presidência da Ferj. Quem acredita que o cartola não tem calculado na ponta do lápis os danos provocados aos rivais pela precificação, sinceramente, acredita em tudo. Quando Eurico foi reeleito, estava claro que a situação do futebol carioca e brasileiro pioraria de forma significativa. Ao contrário de Roberto Dinamite, seu antecessor, Eurico não é danoso apenas ao Vasco. Sua influência se estende a outros dirigentes, federações e até a CBF. A volta do ex-deputado representa retrocesso num futebol que deveria olhar para frente, ainda mais após sediar uma Copa do Mundo e ver tantas arenas construídas e reformadas. Por essas e outras, não há razão para otimismo com o futebol brasileiro. Pelo menos, não neste momento.
Texto escrito originalmente para o site Barroso em Dia
Imagem: CNN