quinta-feira, 26 de março de 2015

Mais do que um placar

A vitória da Seleção Brasileira sobre a França por 3 a 1 no amistoso desta quinta-feira não foi uma vingança pela derrota na final de 1998. Do mesmo modo, o triunfo no Stade de France também não devolve as eliminações nos Mundiais de 1986 e 2006. Nem apaga da memória o massacre sofrido na última Copa e muito menos soluciona os sérios problemas estruturais do futebol brasileiro que, diga-se, têm pouco a ver com a Seleção e seus inúmeros “estrangeiros”. E qualquer apregoação nessa direção provavelmente resvalará numa euforia que sempre nos fez mal.
No entanto, é preciso observar o momento da Seleção Brasileira sem as amarras do trabalho anterior e olhando para frente.  Após a derrota para Alemanha, o que mais se cobrava da equipe verde-amarela era competitividade e apresentação de um futebol compatível com o que o mundo inteiro pratica. Tratava-se de algo muito mais relevante do que vitórias em amistosos ou recolocação no ranking da FIFA. E é exatamente isso o que está acontecendo sob o comando de Dunga.
A tão malfadada bola longa (ou chutão, como preferir) não faz mais parte do repertório verde-amarelo, a pressão alta está mais coordenada e a compactação está próxima do ideal. Tudo dentro do figurino neste estágio do trabalho. Isso não quer dizer que a Seleção está pronta para vencer seus desafios até 2018, muito menos indica que o trabalho está perto do fim. Ainda existem diversos pontos a serem aperfeiçoados como a bola parada, a velocidade de transição e o entrosamento dos homens de frente. Sem falar que um selecionado nacional nunca é obra pronta. A porta sempre deverá estar aberta para a chegada de novos talentos, sob o risco de repetir 2010.
Contudo, é preciso reconhecer que algo está sendo feito. Inclusive em termos de proposição de jogo, algo cobrado por nove entre dez comentaristas. É notório que a figura de Dunga causa repulsa e que sua retórica pouco adequada aos nossos tempos não é bem aceita num mundo onde o discurso costuma valer tanto quanto a prática. Se deixarmos o preconceito de lado, veremos que existe algo positivo em andamento, mesmo que o autor do trabalho não seja o arquiteto dos sonhos.

Imagem: Getty

domingo, 15 de março de 2015

A era da desinformação

Quando adolescente, ao tentar entender o funcionamento da imprensa em geral, sempre ouvi dizer que imparcialidade era a palavra-chave. Que o jornalismo imparcial era o melhor caminho para a informação. Mais velho, percebi que embora isso seja o ideal, a imparcialidade era algo utópico uma vez que todo profissional possui seus conceitos e que isso inevitavelmente o faria tomar partido do que entendesse ser o mais correto. Ou, na pior das hipóteses, tomaria partido do seu contratante. Deste modo, a imparcialidade deu lugar à isenção, termo parecido, mas que no jornalismo seria o equivalente à liberdade para informar sem estar atado a compromissos de terceiros.
Infelizmente, nesta altura da vida me parece evidente que imparcialidade e isenção, em diferentes escalas, não existem em sua plenitude nos meios de comunicação. E isso acontece porque sempre haverá interesses econômicos, políticos ou ideológicos se sobrepondo à informação. Ou melhor, a informação está lá, mas exposta da forma ou do tamanho que for mais conveniente. Alguém poderia dizer que o diabo mora nas manchetes, mas desconfio que ele sobrevive e se revigora na falta de espírito crítico do público em geral. Com esse espírito seria mais simples buscar a informação mais completa em meio a tanto achismo e indução ao erro.
O que estamos vivendo no Brasil atualmente talvez seja a expressão máxima de como a imprensa pode manipular a opinião pública sem necessariamente mentir. Basta omitir fatos – a alta do dólar no mundo inteiro aqui travestida de desvalorização do real é um bom exemplo – escolher os colunistas cujo posicionamento seja o mais conveniente, além de mascarar dados e temos o cenário perfeito para quem já está predisposto a clamar por impeachment, intervenção militar e retorno da ditadura (alô, professores de História!).
No entanto, ao contrário de outras épocas, o acesso à informação e a diversidade de meios de comunicação e interesses são capazes de suplantar, pelo menos em parte, a venda que alguns tentam colocar na população brasileira. Hoje não é tão fácil manipular num país inteiro como se fez nas décadas de 1960 e 1990, ainda mais com tantos escândalos pipocando por todas as partes. Contudo, restou provado que a regulamentação da mídia é uma necessidade real. Não como forma de interferir na liberdade de expressão ou mesmo censurar, mas para coibir a formação de oligopólios e monopólios e combater à desinformação.
Não permita que alguém pense por você.

Imagem: Reprodução

sábado, 7 de março de 2015

Dória, Bielsa e a imagem dos brasileiros no exterior

Um dos principais reforços do São Paulo em 2015, Matheus Dória foi o convidado da terceira edição do programa Bate-Bola, da ESPN Brasil, na última quinta-feira. Em dado momento, o zagueiro foi perguntado sobre sua passagem pelo Olympique de Marselha e as dificuldades que enfrentou sob o comando do argentino Marcelo Bielsa. Aproveitando a ocasião, Dória falou a respeito de seu não aproveitamento no time francês e do comportamento do técnico com auxiliares e com ele mesmo. Ali estava apenas a versão do jovem brasileiro, mas as reações que vieram a seguir surpreenderam este blogueiro. Com poucas ressalvas ou contextualização, a maior parte das pessoas que se manifestaram sobre o tema optou por criticar Dória. É como se o jogador brasileiro fosse o único culpado por seus infortúnios no Olympique independente do que lá aconteceu.
Antes de tudo, é preciso recordar como se deu a contratação de Dória pelo OM. Figura de destaque no Botafogo desde 2013, embora não fosse unanimidade entre os torcedores, o zagueiro tornou-se objeto de cobiça de importantes clubes europeus e acabou desembarcando na França por cerca de oito milhões de euros. No entanto, antes mesmo de se apresentar ao seu novo treinador, Dória se deparou com a entrevista coletiva de El Loco dizendo que sua diretoria não o consultou sobre a contratação, que não tinha avaliado o defensor e que era contra a sua chegada. Não é preciso ser um gênio para perceber que a vida do garoto, então com 19 anos, não seria fácil em Marselha. Como era de se esperar, Dória ficou encostado no clube até que o São Paulo o repatriasse.
Reunindo esses fatos, o depoimento de Dória e refletindo sobre o histórico de loucuras de Marcelo Bielsa é possível chegar à conclusão de que pode não se tratar do clássico caso do jogador que não conseguiu seu espaço e saiu atirando contra o seu ex-técnico. Bielsa nunca quis a chegada de Dória, não fez questão de esconder isso e nunca concedeu chances reais para o jogador se firmar. Analisando a questão, ela remete muito mais a uma típica queda de braço entre dirigente e técnico do que propriamente a reprovação de um atleta após um período de trabalho e convivência.
Contudo, é possível dizer que há, por parte de algumas pessoas, uma pré-disposição em considerar os brasileiros culpados por qualquer situação negativa no exterior independente dos fatores que esta envolver. Possivelmente baseada em episódios onde os brasileiros realmente erraram, criou-se por aqui uma regra geral onde o profissional brasileiro, seja ele técnico ou jogador, está sempre errado. Um provável resultado da soma de pouco pensamento crítico somado ao atávico complexo de vira-latas que Nelson Rodrigues definiu tão bem. Esta sim, uma típica conduta com ares de regra geral.

Imagem: Divulgação