domingo, 20 de novembro de 2011

Taticamente Falando.

Espaço destinado a comentar um assunto que é interessantíssimo para alguns, mas tido por muitos como aborrecedor ou difícil de ser assimilado. Todavia, sem o mínimo conhecimento desse aspecto, o futebol não pode ser compreendido em sua totalidade.
Alas, nosso maior dilema tático - Parte II
Na coluna anterior, o “Taticamente Falando” abordou o surgimento dos alas brasileiros dentro da evolução tática do nosso futebol. Nesta ocasião, analisaremos como a presença dessa função influenciou outras e de que maneira isso prejudicou a formação básica de nossos jogadores...
O 3-5-2 surgiu em 1984 através do alemão Sepp Piontek, técnico da Dinamarca semifinalista da Eurocopa daquele ano. Basicamente, Piontek acreditava que o novo sistema seria ideal diante do mundialmente instaurado 4-4-2, pois tinha três defensores para marcar os dois atacantes adversários e um jogador a mais no meio-campo. Dois anos depois, o técnico chamou a atenção do mundo ao utilizar o mesmo módulo no México e conquistar a primeira colocação de um grupo que contava com Alemanha, Escócia e Uruguai. Embora tenha encantado, a chamada Dinamáquina encontrou seu carrasco logo nas oitavas-de-final daquela Copa ao ser batida pela Espanha de Butragueño por inapeláveis 5x1. Todavia, a semente estava plantada e no Mundial de 1990 nada menos que 20 das 24 seleções usaram o 3-5-2. Entre elas, o Brasil.
Na Itália, a Seleção de Sebastião Lazaroni adotou o 3-5-2 (figura 1) num Mundial marcado pela supremacia dos sistemas defensivos. No esquema brasileiro, o trio de zagueiros tinha à frente o volante Dunga, enquanto os meias Alemão e Valdo se alinhavam aos alas Jorginho e Branco. No ataque, Muller atuava prioritariamente pelos flancos, enquanto o centroavante Careca permanecia mais centralizado. Dada a carência criativa daquela equipe, esse time é lembrado como uma das piores versões do Brasil em Copas.

Todavia, a dinastia dos alas brasileiros estava consolidada. E, com ela, a necessidade de realizar a cobertura dos espaços deixados pelos intrépidos laterais. Em 1994, Zinho, conhecido por seu dinamismo, ficou conhecido como “enceradeira” justamente pelo suporte que precisava dar ao lateral esquerdo. Orientado por Carlos Alberto Parreira, Zinho (figura 2) segurava a bola até a passagem de Branco (ou Leonardo) e geralmente cumpria essa tarefa girando o corpo para protegê-la dos adversários. No lado direito, a obrigação era de Dunga que frequentemente ouvia “Vai Cafu! Vai Cafu! O Dunga te cobre!” e, taticamente obediente como sempre foi, já sabia o que fazer. O apoio simultâneo dos laterais era tão constante àquele time, que Mauro Silva foi muitas vezes era visto em campo como um terceiro zagueiro. Quatro anos depois, Zagallo manteve esquematização semelhante: “Quero meus laterais jogando como pontas”, dizia. Não por acaso, o bloqueio das laterais do campo foi uma das estratégias utilizadas pelo técnico Aimé Jacquet na fatídica final entre Brasil e França. Com as laterais fechadas, o time teve que sair jogando pelo meio e o resto é história: 3x0 para a seleção da casa e o primeiro título nacional dos Bleus.

Em 2002, a maior preocupação de Luiz Felipe Scolari na montagem da futura seleção pentacampeã era justamente como se defender tendo laterais tão ofensivos quanto Cafu e Roberto Carlos. Este último até era acostumado a jogar na primeira linha do Real Madrid. Cafu, porém, atuava na segunda linha da Roma tendo o italiano Panucci atrás de si. Como solução, Felipão escalou um trio de zagueiros formado por Lúcio, Edmilson e Roque Júnior e ainda destacou Gilberto Silva como guardião da defesa. Versátil, Edmilson também atuava como volante de acordo com a postura do adversário, alterando o módulo do time de um 3-4-2-1 para um 4-3-2-1 (figura 3). No fim, a intenção era ter um time capaz de suportar e municiar os três craques do time: Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.

Parreira reassumiu a Seleção em seguida e trocou o sistema com três zagueiros por sua ortodoxa linha de quatro. Nesse 4-3-1-2, a saída de bola era realizada por Roberto Carlos, Cafu e o volante Emerson que, se não era limitado tecnicamente, também não primava pela excelência no passe. Mais à frente, Juninho Pernambucano e Zé Roberto davam a classe que o meio-campo precisava, enquanto Kaká fazia a ligação para o ataque formado pelos os dois Ronaldos. Entretanto, cedendo ao clamor popular, Parreira trocou o equilíbrio tático por uma aventura batizada como “quadrado mágico” (figura 4), onde Ronaldinho Gaúcho, Adriano e Ronaldo colaboravam pouco com o sistema defensivo. Na prática, havia uma cisão entre ataque e defesa onde não havia armadores capazes de amarrar as duas partes.

E foi justamente nesse ponto que os laterais começaram a cobrar um alto preço na formação de nossos jogadores. A divisão estava clara: Formávamos volantes essencialmente marcadores – que tinham como uma de suas funções cobrir os avanços dos alas – e meias, quase que exclusivamente ofensivos. Na base e no profissional, qualquer jogador mais criativo é logo adiantado para o campo de ataque sob o pretexto de que o talento não pode se desgastar com a marcação. Naquele momento, o meia clássico capaz de armar o jogo e ainda ser capaz de marcar estava praticamente morto. O melhor exemplo desse “defeito de fabricação” foi visto na Copa de 2010. Na África do Sul, a equipe comandada por Dunga (figura 5) trabalhava com dois volantes marcadores e uma linha de três homens voltada para o ataque (exceção feita ao dinâmico Elano).

Atualmente, esse é o maior dilema dos treinadores brasileiros. Sabem que a tendência mundial é que os volantes joguem, mas não tem matéria-prima para isso. Por anos desenvolvemos jogadores unidimensionais e agora a fatura chegou. Felizmente, ao que tudo indica, esse equívoco histórico já foi detectado. Todavia, solucioná-lo pode demandar algumas gerações.       

4 comentários:

Thiago Ribeiro disse...

e pensar q Xavi começou como 1º volante (o número 6 nas costas prova isso, número de cabeça-de-área).

No Brasil, Xavi nunca seria Xavi. Não teria espaço pra jogar como 1º volante, nem chegaria onde chegou sendo só enganche.

no Brasil começou a se formar "10" e "5", apenas. Os times jogavam com três "5"s, quando dava, um pretenso a 10 - muitas vezes um atacante de velocidade recuado - e mais nada. Onde estavam os "8"?

sobre este eu escrevi essa análise:
http://estecanto.blogspot.com/2011/08/o-criador-recuado-o-caso-do-botafogo.html

infelizmente, a tendência na europa é outra, a extinção do "10". Qaulquer garoto bom de bola é recuado para jogar na "função de Pirlo" - mudança que salvou Schweinsteiger , um meia-extrema razoável, virou o melhor do mundo na posição "8", só perdendo pro Xavi e Iniesta-. Os "10", se tivessem velocidade jogam de extremos, se não viram 2º volantes.

Outro problema é que nas bases só se joga no 3-5-2, os técnicos de lá só se preocupam em ganhar títulos pra começarem as suas carreiras, ao invés de pensar em formar jogadores pros profissionais do clube.

ótimo texto, abraços!

Michel Costa disse...

Olá, Thiago.

Concordo contigo na maior parte do raciocínio, mas não vejo tão claramente o desaparecimento do camisa 10, apenas a adaptação do mesmo às exigências do futebol atual. Só pra citar alguns jogadores com essas características, lembro de Özil, David Silva, Van der Vaart, Sneijder (que também pode ser visto como um 8), Pastore, Jovetic e, claro, Ganso.

Abraço e parabéns pelo seu post. Ficou muito bom.

Thiago... disse...

Excelente post.

Concordo com quase tudo na discussão de vocês, mas uma coisa é fato, o "10" atual geralmente é preterido, e trocado preferencialmente por um 'volante com saída'(2°Volante) ou um 'meia-atacante'(meia de velocidade) aqui no Brasil...

Michel Costa disse...

Verdade, Thiago. Até pela carência desse tipo de jogador no País. Não por acaso, Ganso é visto como uma "ave rara" em nosso futebol.

Abraços.