domingo, 12 de julho de 2015

Precisamos falar sobre projeto esportivo

Este post está sendo escrito poucas horas antes de Flamengo e Corinthians entrarem em campo pela 13ª rodada do Campeonato Brasileiro. Como vivemos no país dos resultados, as ausências de Paolo Guerrero e Emerson pelo lado rubro-negro terão o peso do que apontar o placar ao final da partida. Em caso de derrota, o mais provável é que a culpa recaia sobre os ombros do presidente Eduardo Bandeira de Mello que aceitou a solicitação dos representantes corintianos para que os dois atacantes não participassem do confronto de hoje. Como os detalhes da negociação não vieram a público, provavelmente nunca saberemos em quais circunstâncias Bandeira acatou tais condições. Sendo assim, o melhor julgamento não se viabiliza nesta questão.
Contudo, é possível dizer que, como um todo, o planejamento esportivo da atual gestão do Flamengo deixa a desejar. E isso, que fique bem claro, não tem a ver com a gestão financeira exemplar do clube, mas com a maneira como o futebol vem sendo gerenciado. Antes de Cristóvão Borges e Rodrigo Caetano, nada menos que seis treinadores e dois gerentes de futebol passaram pelo Flamengo em dois anos e meio. Dentre eles, apenas Mano Menezes saiu por decisão própria. O restante foi demitido sem conseguir concluir seus projetos. Em outras palavras, não é preciso ser um gênio esportivo para perceber que alguma coisa está fora da ordem na Gávea. Embora os dirigentes rubro-negros sejam profissionais de sucesso em outras áreas, ainda são amadores em sua nova empreitada.
Pouco depois de deixar o Flamengo, Mano Menezes disse que os dirigentes brasileiros não sabiam responder qual era o seu projeto esportivo. Questões básicas como que tipo de futebol se almejava não encontravam eco. Não foi uma crítica direta, mas era bastante cabível ao seu ex-clube. Sem a mesma capacidade argumentativa do gaúcho, Vanderlei Luxemburgo, em sua entrevista coletiva de despedida, foi mais direto ao dizer que a diretoria rubro-negra não entendia nada de futebol. Lamentavelmente, os fatos têm dado razão ao novo técnico do Cruzeiro.
Companheiros de Bandeira de Melo já disseram algumas vezes que “A bola não entra por acaso” do espanhol Ferran Soriano é o livro de cabeceira do grupo. Para quem não conhece, a obra conta como o Barcelona se reorganizou para brigar num mercado globalizado e chegou ao topo. Todavia, os admiradores locais parecem não ter notado que o êxito dos catalães se baseou tanto na gestão financeira quanto no planejamento esportivo. No futebol, esses são pontos que se entrelaçam a todo instante. Um não caminha bem sem o outro. E enquanto esse entendimento não ocorrer, reportagens como a que saiu no “The New York Times” serão o único motivo de orgulho.
Imagem: Lancenet

quarta-feira, 8 de julho de 2015

O primeiro ano do resto de nossas vidas

Doze meses nos separam daquela que ficou conhecida como “a Copa das Copas” – definição que antes parecia ser apenas um exagero do Governo Federal para o evento que organizava, mas que acabou se tornando realidade quando a bola começou a rolar. Partidas empolgantes, craques desfilando categoria pelos nossos gramados, a festa das torcidas, a comprovação de nossa hospitalidade e muito drama fizeram da última edição do Mundial algo inesquecível – no caso específico dos anfitriões, por uma razão bastante amarga.
Um ano após o revés mais doloroso da história da Seleção Brasileira, é possível classificar o 7 a 1 aplicado pela Alemanha como um divisor de águas em nosso futebol. Embora a elasticidade do placar tenha especificidades pontuais, pode-se dizer que ali foi sepultada toda uma forma de se jogar. Em 90 minutos, os alemães comprovaram como um coletivo forte está a um abismo de distância de um bando de jogadores cuja única arma era a vontade. Foi o triunfo da organização e do planejamento sobre o imediatismo e a negligência, confirmando em 2014 o que a Espanha já havia sinalizado em 2010. Mesmo sem supercraques, mostraram ser possível formar um time capaz de ser encantador e, ao mesmo tempo, altamente competitivo. Uma lição que o Brasil poderia e deveria ter assimilado.
Naquele momento, restava a oportunidade de juntar os cacos e recomeçar a partir da direção apontada por seus adversários. Todavia, lamentavelmente, a primeira ação da CBF foi tentar varrer a tragédia esportiva para debaixo do tapete. A palavra “apagão” surgiu para batizar o massacre, e tudo permaneceu como era antes. Para tentar recolocar o escrete verde-amarelo nos trilhos, Dunga foi reconduzido ao posto de técnico. Estava implícita a ideia de que o capitão do Tetra poderia colocar ordem na casa e reeditar a equipe empenhada que marcou a sua passagem anterior até a fatídica derrota para a Holanda na Copa da África do Sul.
Dunga, por tudo o que tem demonstrado, mudou pouco durante o hiato de quatro anos que o afastou da Seleção. A sede de vitórias permanece a mesma e a sua concepção tática ainda prioriza o contra-ataque em detrimento da proposição. Sem a bola, os seus comandados continuam fechando os espaços de forma eficiente, com uma compactação defensiva que está de acordo com a cartilha do futebol moderno. Mas o problema maior se apresenta quando o seu time tem a bola nos pés.
Por ironia do destino – e pelos caminhos tortuosos tomados pela escola brasileira nas últimas décadas –, o país que um dia ficou mundialmente conhecido pela fantasia e pelo bom trato com a bola hoje não sabe mais o que fazer com ela. Assim como ocorreu com Luiz Felipe Scolari, a Seleção continua sofrendo na transição entre defesa e meio de campo, e sendo obrigada a assistir adversários teoricamente inferiores assumindo as rédeas das partidas, deixando claro que um dos principais objetos de crítica durante a Copa de 2014 permanece intacto.
O segundo fracasso consecutivo em competições oficiais trouxe consigo o fortalecimento da dúvida sobre a verdadeira qualidade da atual safra de jogadores brasileiros. Exceção feita a Neymar, todos os atletas vêm sofrendo questionamentos acerca de suas capacidades, e as comparações com gerações passadas se tornaram inevitáveis. Nem mesmo a massiva presença nos principais clubes do planeta e as enormes cifras que suas transações têm movimentado são suficientes para demover a ideia de que os talentos estão cada vez mais escassos. E o fato de ninguém ter apresentado um comparativo minimamente decente entre as épocas só indica como tal discussão soa vazia, muito mais presente no âmbito das sensações do que das análises.
O que nem todos percebem é que a realidade do futebol mundial mudou. Com a intensidade cada vez maior do jogo e a redução do tempo e do espaço, o craque só continuará fazendo a diferença se houver um coletivo forte em torno de si. Com os nomes que possui, esta geração e provavelmente as vindouras podem se tornar competitivas desde que sejam adequadas às demandas atuais do esporte. Para isso, é necessário tanto que se corrijam os rumos do trabalho de Dunga quanto que se planeje o nosso futebol como um todo, da base à ponta da pirâmide.
De um ponto de vista mais restrito, em que se analisa separadamente a Seleção Brasileira, o primeiro passo é reestruturá-la em busca do protagonismo perdido. Embora o estilo de nossos meias e atacantes esteja mais voltado para a verticalização e o ataque aos espaços, não se pode perder de vista que o jogo inteligente deve ser gerado a partir dos volantes. Sem uma participação efetiva dos homens mais recuados do meio de campo, a construção de jogo passa a ficar dramaticamente comprometida – o que, naturalmente, faz com que cabeças-de-área puramente marcadores e meias ofensivos que apenas realizam infiltrações não cumpram de forma satisfatória essa missão.
Outro aspecto fundamental é o entrosamento do novo grupo brasileiro, que, embora tenha tido uma reformulação menos drástica em comparação a ciclos anteriores, sofreu uma quantidade de alterações bem superior a Chile e Argentina, por exemplo, finalistas da Copa América de 2015. Além disso, há ainda a questão psicológica, que começa no craque Neymar, com imbróglios jurídicos em Barcelona, passa pelos rompantes “heroísticos” de David Luiz e chega à instabilidade de Thiago Silva. E tudo isso em meio a uma onda da palavra “decadência” e de visões autodestrutivas sobre tudo.
Na verdade, as deficiências estruturais do futebol brasileiro mudaram pouco nas últimas décadas. Os dirigentes corruptos, o calendário inchado, os péssimos gramados, a violência das organizadas e o baixo público nos estádios sempre foram características marcantes do futebol local. Os nossos problemas não se tornaram subitamente maiores, mais profundos ou até mesmo insolúveis devido ao que aconteceu na Copa de 2014.
Independentemente de tudo isso, debater as demandas do nosso futebol continua a ser algo fundamental para a sua saúde – e a tentativa da cúpula da CBF de promover uma agenda acerca do assunto, apesar de ainda ser insuficiente e acontecer com pelo menos um ano de atraso, não deixa de ser uma sinalização. Para que sejamos capazes de cicatrizar as nossas feridas e pavimentar um futuro melhor, o primeiro passo é compreender os equívocos do passado. A tragédia esportiva do dia 8 de julho de 2014 só terá um significado positivo se, mais do que escancarar os nossos defeitos, ajudar a impulsionar as melhorias que o futebol brasileiro tanto precisa.
Texto escrito originalmente para o site Conexão Fut
Imagem: AFP