sábado, 15 de agosto de 2015

Entendendo a convocação

Entrevistas coletivas com treinadores não costumam ser fáceis de interpretar. Sempre existirá a intenção do profissional de não trazer à tona todos os aspectos que cercam sua equipe e, por parte da mídia, informações que se convertam em manchetes se tornaram mais requisitadas do que as notícias sobre o esporte em si. Trata-se então de outro jogo, este travado fora das quatro linhas, algo que no caso de Dunga se torna mais ainda disputado devido ao histórico de rusgas do técnico com a imprensa esportiva desde os tempos de jogador.
Portanto, entender todas as decisões que culminaram na convocação dos 24 nomes para os amistosos da Seleção Brasileira diante da Costa Rica (5 de Setembro em Boston) e Estados Unidos (8 de setembro em Nova Jersey) não é uma tarefa simples, uma vez que ficou evidente que, ao contrário do que disse Dunga, as decisões não seguiram uma linha exclusivamente técnica. Para facilitar o trabalho, vamos dividir as observações pelas posições da lista divulgada na última quinta-feira:
Goleiros: Alisson (Internacional), Jefferson (Botafogo) e Marcelo Grohe (Grêmio);
Na meta, Jefferson e Marcelo Grohe mantêm a confiança do treinador enquanto Diego Alves se recupera de séria lesão nos ligamentos do joelho direito. Contudo, Dunga revelou a alguns jornalistas após a coletiva que deve conceder a titularidade a Grohe visando testes para as Eliminatórias. Falando no gremista, chamou a atenção o chamado dos goleiros da dupla Gre-Nal, fato inédito em toda história da Seleção. Aos 22 anos e muito seguro, Alisson possivelmente será uma das apostas do técnico para os Jogos Olímpicos de 2016.  
Zagueiros: David Luiz (PSG), Gabriel Paulista (Arsenal), Marquinhos (PSG) e Miranda (Internazionale de Milão);
Os zagueiros são um caso à parte. As convocações anteriores mostraram que David Luiz, Marquinhos e Miranda estão entre os preferidos do treinador, mas a ausência de Thiago Silva diz muito sobre a nova lista. No entanto, ao contrário do que escreve o ex-jogador Juninho Pernambucano em seu perfil no Twitter, acredito que a exclusão está muito mais ligada ao conjunto da obra do que ao pênalti cometido na eliminação para o Paraguai na Copa América. Defensor experiente, Thiago vem demonstrando sistematicamente uma instabilidade emocional, no mínimo, preocupante desde o Mundial. Por enquanto, ao contrário de Maicon, não é possível afirmar que chegou o fim da linha para ele, porém, ficou bastante claro que a confiança foi momentaneamente perdida.
Laterais: Daniel Alves (Barcelona), Danilo (Real Madrid), Douglas Santos (Atlético) e Filipe Luis (Atlético de Madrid);
Assim como ocorre com os centrais, as laterais também abrem um bom espaço para debate. Mesmo com as críticas à capacidade dos treinadores brasileiros, Daniel Alves permaneceu entre os chamados, assim como Filipe Luis, consolidado como titular da lateral esquerda. Recuperado da lesão que o tirou da Copa América, Danilo volta ao grupo. Destaque no Atlético Mineiro e com idade olímpica, Douglas Santos completa o setor. O que chama a atenção, entretanto, são as ausências. Uma eterna incógnita em termos de Seleção, Marcelo, aparentemente, continua fora dos planos. É possível que o estilo mais ousado seja um problema num time que tenta se estabelecer defensivamente, mas a relação do vice-capitão do Real Madrid com os técnicos recentes do Brasil nunca foi das melhores. Outra ausência notável é a de Geferson do Internacional. Convocado para a Copa América, o lateral surpreendeu a todos que esperavam nomes mais consolidados. Sem nenhuma aparição no torneio, também não figura entre os alas chamados na última sexta-feira para a Seleção Sub-23. Realmente, o caso mais estranho neste retorno de Dunga.         
Volantes: Elias (Corinthians), Fernandinho (Manchester City), Luiz Gustavo (Wolfsburg) e Ramires (Chelsea);
Ao que tudo indica, Dunga não viu na Copa América os mesmos problemas constatados por este colunista. Afinal, embora a transição defensiva seja um processo coletivo, os volantes escolhidos deixaram muito a desejar nessa tarefa. Esperava-se agora a opção por centro-campistas capazes de distribuir o jogo com mais fluidez. Todavia, as escolhas recaíram sobre Elias e Ramires que são muito mais condutores/infiltradores do que passadores. Por outro lado, o retorno de Luiz Gustavo deve ser celebrado por sua maior presença física em campo e bom passe. Pelo que depender de Dunga, o volante do Wolfsburg será titular até o Mundial da Rússia.    
Meias: Kaká (Orlando City), Lucas Lima (Santos), Oscar (Chelsea) e Willian (Chelsea);
Dentre os diversos equívocos de Felipão antes e durante a Copa do Mundo estava a ausência de alguém capaz de dividir a responsabilidade com Neymar. Desnecessário explicar por que isso foi um complicador diante da Alemanha. No entanto, chamar o meia do Orlando City, neste momento, é discutível. Está certo que os jovens da Seleção precisam de uma referência, mas se isto estiver custando a vaga de Philippe Coutinho – um dos poucos capazes de suprir Neymar em termos de talento – alguma coisa está errada. Sem falar que a presença de Kaká em amistosos nos EUA num momento em que se contesta a interferência de patrocinadores na Seleção não pega nada bem. De positivo, o retorno de Oscar e o primeiro teste de Lucas Lima, um dos melhores meias do futebol brasileiro na atualidade.   
Atacantes: Douglas Costa (Bayern de Munique), Hulk (Zenit), Lucas (PSG), Neymar (Barcelona) e Roberto Firmino (Liverpool).
Não ocorreu desta vez a volta de Alexandre Pato à Seleção. Mesmo com as exclusões de atletas que militam na China e no Oriente Médio, Dunga preferiu incluir Hulk e Lucas Moura e a manutenção de Roberto Firmino e Douglas Costa, este em ótima fase no Bayern de Munique. Inclusive, assim como houve na Copa América, não há nenhum centroavante típico entre os convocados. Recuperando-se de caxumba e suspenso nas duas primeiras partidas das Eliminatórias, Neymar é o 24º jogador da lista e, assim como Kaká, uma presença que levanta dúvidas sobre ingerências na convocação. Não que este colunista duvide da honestidade de Dunga, mas técnico de Seleção é como mulher de César: Não basta ser honesto é preciso parecer honesto.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol
Crédito da imagem: Getty

sábado, 1 de agosto de 2015

A revolução silenciosa

Alguma coisa está mudando no futebol brasileiro. Lentamente, como tudo costuma ser, mas existem forças positivas em andamento dentro de uma estrutura historicamente arcaica. É verdade que o nível de endividamento dos clubes continua alarmante, que a política demissionária de técnicos segue imperando e que a cartolagem – sobretudo de federações estaduais e CBF – continua sendo um entrave. No entanto, em diversos aspectos podemos constatar avanços consideráveis que não podem ser ignorados. Pontos que, reunidos, formam uma pequena e silenciosa revolução que chama a atenção de quem sempre manteve um espírito crítico em relação ao futebol local.
Dentro de campo, já é visível a maior compactação e intensidade nas partidas. A imagem de um futebol brasileiro moroso e espaçado vem dando lugar a jogos mais rápidos e dinâmicos. Com isso, boas partidas vêm deixando de ser algo raro no Brasileirão. É certo que as longas viagens e o calendário inchado são um empecilho quando se pensa na aplicação de velocidade Premier League, porém, nota-se que a referência mudou. Os times nacionais ainda não são intensos como as principais equipes europeias, mas o Brasil não tem sido mais uma ilha isolada no planeta.
E tal mudança não passa apenas pelos jogadores e treinadores. Embora essa questão não tenha sido tratada de forma aberta pela Comissão de Arbitragem da CBF é nítida a existência de uma orientação para que os árbitros deixem o jogo “correr” mais. Os choques têm sido considerados normais e nem todo esbarrão é interpretado como falta. E isso tem contribuído de forma sensível para o aumento da dinâmica nas partidas. Mesmo a polêmica punição severa das reclamações pode se tornar algo positivo a médio/longo prazo. Existe uma cultura enraizada no Brasil que coloca o árbitro como outro adversário a ser derrotado. Quanto menos os atletas se preocuparem com os árbitros, maior a possibilidade de se concentrarem exclusivamente na partida que estão disputando. Logicamente, ainda veremos expulsões exageradas até que o novo sistema encontre seu equilíbrio, contudo, quando isso acontecer, a tendência é que todos saiam ganhando.
Outro movimento bastante positivo é a evolução da média de público dentro do campeonato. Apesar dos 16.392 pagantes desta temporada ainda não ter ultrapassado os 16.537 de média total registrada em 2014, a curva que determina o aumento de público é visível e auspiciosa. São mais de 20 mil em julho, sendo que a décima sexta rodada tem tudo para ser a de maior público até o momento com quebra de recorde do campeonato na partida entre Flamengo e Santos no Maracanã. Difícil especificar todos os fatores para o aumento do público, uma vez que o preço médio do ingresso continua alto. Mas é possível citar alguns como o novo horário das 11 da manhã, a presença de Atlético Mineiro e Corinthians nas primeiras colocações da tabela, o fantástico apoio da torcida do Palmeiras (dono da maior média) e a chegada do atacante Paolo Guerrero inflamando os torcedores do rubro-negro carioca.
Enquanto algumas coisas se transformam internamente, boas notícias surgem do meio externo ao esporte. Quase que simultaneamente às ações do FBI que desmantelaram um esquema de corrupção na FIFA e culminaram com a prisão do ex-presidente da CBF, José Maria Marin, houve a aprovação no Senado Federal da Medida Provisória 671, também conhecida como MP do Futebol, na prática, trata-se do primeiro passo para o fim das gestões temerárias que tantos danos causaram ao nosso futebol. Evidentemente, a chamada Bancada da Bola trabalha para diminuir os impactos da MP, entretanto, dificilmente conseguirão barrar o cerne da matéria. Não há dúvidas de que o futebol brasileiro deveria ser mais autônomo, mas se não é capaz de se auto-regular, que a moralização venha de fora.
Paralelamente, não se nota grandes mudanças em nossa imprensa esportiva. A perigosa mistura entre esporte e entretenimento está mais presente do que nunca e isso se nota até em espaços onde a informação ainda sobrevive como o principal ativo. Está claro que a audiência norteia a mídia e isso não seria diferente no esporte, porém, a busca pela qualidade não pode ser deixada em segundo plano. Análises táticas mais profundas e debates mais elevados não deveriam ser exceções num grande universo de mesas redondas que levam do nada a lugar nenhum. Do mesmo modo, as entrevistas deveriam questionar muito mais sobre o jogo, em vez de alimentar intrigas e fomentar a eterna corda bamba em que vivem os treinadores. Não há dúvida que todos sairiam ganhando com isso. Sobretudo, o futebol tão massacrado no país que um dia o classificou como casa. 
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress