domingo, 23 de novembro de 2014

Em obras

Quando se pensa em Seleção Brasileira, o ano de 2014 sempre será lembrado pela tragédia futebolística ocorrida na Copa do Mundo. Daqui a 50 anos ainda encontraremos quem esteja debatendo sobre os motivos que levaram o selecionado mais vitorioso da história a ser massacrado dentro de sua própria casa. Todavia, como o “levanta, sacode a poeira e dá volta por cima” é também um lema do povo brasileiro, nada mais justo do que partir para a ótica da reconstrução da equipe.
Com a saída de Scolari, Dunga não era o nome preferido de imprensa e torcida. A Seleção que o ex-capitão comandou entre 2006 e 2010 era muito competitiva, mas carecia de criatividade. É quase consenso entre os críticos que nosso futebol deveria se inspirar nos exemplos de Espanha e Alemanha e construir um time capaz de propor o jogo como um dia fomos capazes de fazer. Uma questão já debatida neste espaço é se temos jogadores para tal missão. A resposta mais sensata neste momento é não. Durante anos, formamos atletas de estilo vertical, baseando-nos na tese de que os mais talentosos devem ficar mais próximos do gol adversário. Com isso, o meio-campo se tornou uma área muito mais de destruição do que de construção. Sobretudo, pela necessidade de cobertura de laterais apoiadores.
Passou quase despercebida a viagem da comissão técnica pela Europa após os amistosos contra Turquia e Áustria. Na Alemanha e na Inglaterra, Dunga se reuniu com Jürgen Klopp e José Mourinho, técnicos conhecidos pelo estilo intenso e vertical ora visto no Borussia Dortmund e no Chelsea. Alguém provavelmente vai pensar num diálogo com Guardiola, porém, está bastante claro que o tipo de jogo que Dunga enxerga como ideal para os seus comandados certamente não é o tiki-taka. E isso não significa que ele está errado.
É possível aproveitar as qualidades que o jogador brasileiro oferece hoje e ser competitivo ainda assim. Nos seis amistosos realizados depois do Mundial, o novo treinador deu mostras de que teremos uma equipe (ao lado) mais organizada, compacta e intensa do que a anterior. O fato de ter sacado do grupo a figura de um centroavante mais fixo é um indício de que o desejo é que todos participem do jogo. Em entrevista após a vitória sobre os austríacos, o meia Roberto Firmino destacou ao microfone aquele que é o mantra de seu chefe: “Se igualarmos a pegada, nossa qualidade individual vai se sobressair.” Infelizmente, há quatro anos, esse pensamento não se confirmou plenamente.
De qualquer forma, é impossível negar que o saldo deste reinício é positivo. Mais do que as seis vitórias, foi importante resgatar o moral do grupo. Vencer sempre será o melhor remédio para se curar as feridas do futebol. Deste modo, a Seleção encerra seus trabalhos em 2014 e se reúne novamente em março do ano que vem. Embora a CBF não confirme, os rivais devem ser Nigéria e França. Aproveitando a ocasião, este colunista também se despede temporariamente deste espaço e promete retornar às atividades em 2015. Até lá!  
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.

Imagem: Getty

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Nuvens sobre os aplausos

A torcida turca sempre foi conhecida por seu fervor, indubitavelmente, um traço da cultura e da alma do povo otomano. Quando as seleções de Turquia e Brasil deram o pontapé inicial do amistoso disputado no Estádio Sukru Saracoglu, os torcedores estavam apoiando seu selecionado como sempre fizeram. Contudo, além da indefectível paixão pelo futebol, os turcos também são fãs do talento brasileiro. Algo que Neymar & Cia estavam dispostos a oferecer em Istambul naquela noite.
Não foram apenas quatro gols e nenhum sofrido. A Seleção Brasileira de Dunga tem realizado boas partidas dentro das possibilidades de um novo ciclo. A intensidade cobrada nos treinamentos é vista em campo e o comportamento tático tem sido o mesmo que marcou a primeira passagem do técnico. Obviamente, ainda se espera um volume maior de jogo no meio-campo, mas a transição afoita que se viu no Mundial deste ano está sendo solucionada com uma saída de bola mais tranquila, de pé em pé, e com a presença dos dois volantes. Os lançamentos longos para o centroavante escorar para quem vem de trás estão ficando cada vez mais no passado.
Todavia, o que realmente transformou o amistoso vencido pelo Brasil foram as atuações de Neymar e Willian. O primeiro somando mais dois gols às suas invejáveis marcas, além de uma série de jogadas que levaram seus marcadores à loucura. O segundo mostrando por que deveria ter tido mais oportunidades com Scolari. Seu “elástico” sensacional sobre dois marcadores e seu dinamismo com e sem a bola serviram para assegurar espaço entre os titulares nesse reinício. Atuações suficientes para trazer os adeptos locais para o lado verde-amarelo da força.
Por razões óbvias, não será tão simples para a Seleção Brasileira reconquistar sua própria torcida. As feridas da Copa do Mundo ainda estão abertas e não serão cinco vitórias em amistosos que transformarão toda a frustração em incentivo. Para essa missão, as Eliminatórias serão muito mais determinantes. Somente diante da torcida brasileira será possível dimensionar até que ponto o revés no Mundial pode ser superado. Para o primeiro momento, o que vimos até agora pode ser classificado como auspicioso.

Porém, como nem tudo são flores, os bastidores da Seleção continuam mais quentes do que o desejado. Após o corte do lateral Maicon por ter se apresentado muitas horas depois do combinado, foi a vez de Thiago Silva polemizar sobre a perda da tarja de capitão para Neymar. À imprensa, o zagueiro disse que se sentia chateado pelo acontecido e que o jovem atacante não o havia procurado para conversar sobre o assunto. Em seguida, diante da enorme repercussão, Thiago recuou, apareceu numa descontraída – e oportuna – foto com Neymar e culpou a imprensa pelo suposto superdimensionamento do episódio. Por sua vez, Dunga procurou sepultar a questão de forma apaziguadora, mas firme. Deixou claro que todos têm o direito de se manifestar, mas que a Seleção possui uma hierarquia.
Se a atitude do defensor terá mais desdobramentos, possivelmente só saberemos em futuras convocações. Ex-atleta do Milan, clube conhecido pelo apreço por seus líderes históricos, e atual dono da braçadeira no PSG, é compreensível que Thiago Silva tenha se apegado à condição de capitão da Seleção Brasileira. No entanto, a crise de choro nas oitavas de final perante o Chile, onde sua fraqueza poderia ter desestabilizado o grupo por completo, foi determinante para que todos percebessem que ele não tinha o perfil para a missão. Ainda entre os melhores zagueiros do planeta, Thiago pode ser muito útil para o Brasil. Nesse cenário, cabe ao próprio jogador entender que sua atual aflição pode ser, no fundo, uma boa notícia. Afinal, ficou bastante evidente que a tarja de capitão da Seleção se tornou um fardo pesado demais para ele.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Mowa Press

domingo, 9 de novembro de 2014

Neymar e a legião estrangeira

Único brasileiro indicado à Bola de Ouro FIFA 2014, artilheiro do Barcelona na temporada, quinto maior goleador da Seleção Brasileira com 40 gols, capa de grandes publicações, Neymar mostra que está alcançando a maturidade com apenas 22 anos. Até mesmo o “file de borboleta” que sempre o caracterizou ficou para trás. Com 4,5 kg a mais, o brasileiro adquiriu a musculatura necessária para o jogo mais físico que encontrou na Europa. “Ele está ganhando massa, ganhando força e, consequentemente, mais potência”, explica o preparador físico da Seleção, Fabio Mahserehdjian.
Que Neymar se tornou o jogador mais importante da Seleção não é nenhuma novidade. Assim como sua quarta aparição como um dos postulantes à premiação máxima da FIFA também não surpreende ninguém. O que vem chamando a atenção é sua estabilização como um dos grandes nomes do futebol mundial. Antes coadjuvante de Lionel Messi, Neymar começa a dividir o protagonismo no Barcelona com o gênio argentino. Logicamente, a maior liberdade recebida do técnico Luis Enrique e o deslocamento de Messi para uma posição onde se tornou mais “arco” do que “flecha” contribuíram para essa notável evolução, mas nada disso faria diferença se Neymar não fosse o craque que muitos duvidavam ser.
Neste momento, as comparações com Robinho ficaram para trás. Além da origem santista e do gosto pelo drible, pouca coisa os une. Negociado ao Real Madrid em 2005 como novo Ronaldinho Gaúcho, Robinho nunca se afirmou no Velho Continente. E, mesmo na Seleção, sempre pairou alguma desconfiança pelos incontáveis gols perdidos. Por sua vez, Neymar tem se notabilizado não só pelo faro de artilheiro, como pela maestria nas cobranças de falta. A faixa de capitão que agora enverga é apenas mais uma prova de que a pressão de ser a referência não incomoda o atacante. Está cada vez mais claro que o seu patamar é entre feras do calibre de Romário, Ronaldo e Rivaldo.
No entanto, cabe a Dunga estruturar uma equipe que dê suporte ao seu melhor jogador. Um time que funcione bem mesmo num dia ruim do camisa 10 ou em sua ausência. Graças ao nosso inchado calendário que não se interrompe em datas FIFA, a lista de convocados para os amistosos diante de Turquia (12 de Novembro em Istambul) e Áustria (18 de Novembro em Viena) não conta com atletas que militam no Brasil. Portanto, esta será a chance para o técnico observar nomes que ainda não tinham recebido oportunidade neste novo ciclo.
Entre os chamados, destacam-se os retornos do zagueiro Thiago Silva, do goleiro Diego Alves e do meia Lucas Moura. Atravessando boa fase no Porto, Casemiro é mais um indício de que Dunga está à procura de volantes que saibam construir o jogo. Também estreante, Roberto Firmino finalmente terá a chance de comprovar na Seleção tudo o que os mais atentos perceberam no Hoffenheim. Artilheiro da atual edição da UEFA Champions League, Luiz Adriano é o primeiro centroavante convocado após as péssimas apresentações de Fred e Jô no Mundial. Mesmo que a intenção inicial seja a manutenção de uma equipe sem a presença de um nove clássico, não deixa de ser válida a opção de um jogador de área no banco de reservas.
Curiosamente, a nova sensação tupiniquim em gramados europeus ficou de fora da lista. Destaque máximo do Benfica nesta temporada, o meia Anderson Talisca vem chamando a atenção pelos gols e arrancadas fulminantes e já despertou o interesse de gigantes como Chelsea e Manchester United. Convocado por Alexandre Gallo para a Seleção Brasileira sub-21, Talisca está no radar de Dunga e possivelmente figurará em futuras convocações do time principal. Mesmo com todos os seus problemas, o futebol brasileiro tem a capacidade de se renovar como nenhum outro. Resta saber se a nova comissão técnica conseguirá conduzir esse processo de forma satisfatória.

Atualização (10/11): Confirmando sua excelente fase, Talisca foi convocado hoje para substituir o lesionado Lucas Moura nos amistosos diante de Turquia e Áustria. Nada mais justo. 
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagens: Reprodução The Times e AFP