domingo, 31 de agosto de 2014

As aventuras de David Luiz

A declaração de José Mourinho foi sintomática: “David Luiz fez coisas importantes aqui, foi sempre um bom profissional. Vamos sentir sua falta como um cara legal. Mas, do ponto de vista do futebol, acredito que nossa equipe é mais forte nesta temporada do que era.” E completou: “Na última temporada, ele não foi nossa primeira opção regularmente. Como zagueiro, definitivamente, foram John Terry e Gary Cahill na temporada inteira. No meio de campo, ele tem presença física e nos proporcionou coisas importantes, especialmente na Champions, quando Matic não pôde jogar. Mas agora Matic pode jogar a Champions, então, não perdemos tanto fisicamente”, concluiu.
Quem acompanhou a temporada passada do Chelsea, sabe que o técnico não está mentindo. Com Mourinho, o zagueiro brasileiro não era a primeira opção e sua saída estava delineada antes mesmo da Copa do Mundo. Conhecido pelo sólido padrão tático que oferece às equipes que comanda, o português dificilmente seria adepto de um defensor que se lança ao ataque sem muita preocupação com a retaguarda, mesmo que fosse tecnicamente superior aos seus titulares. Crítico feroz da nova contração do Paris Saint-Germain, o ex-lateral Gary Neville costumava defini-lo como “um jogador de Playstation controlado por um garoto de 10 anos.”
Jornalista radicado no Brasil, o inglês Tim Vickery, embora mais comedido do que Neville, também faz coro às críticas do compatriota ao reconhecer as qualidades de David Luiz, mas lembrar que ele está sempre “em busca da glória 30 metros à frente”. Tim foi um dos poucos a perceber que o zagueiro descumpriu suas obrigações defensivas durante a Copa do Mundo: “Ele não estava jogando para o time, estava jogando para a galera”, explicou. Embora o carisma e o estilo aguerrido tenham feito sucesso com a torcida, as atuações contra Alemanha e Holanda ultrapassaram com folga o limite da irresponsabilidade.
Contratado pelo PSG como o zagueiro mais caro da história (cerca de € 49,5 milhões), David Luiz tem um horizonte favorável pela frente. Vai atuar ao lado de Thiago Silva, seu parceiro na Seleção Brasileira, e será chefiado por Laurent Blanc, um dos maiores defensores que o futebol francês já produziu. Do amigo, poderá ouvir os sábios conselhos oferecidos por Alessandro Nesta nos tempos de Milan. Com o técnico, líbero dos bons, pode adquirir o timing certo para apoiar o ataque. Sem dúvida, um panorama bem mais interessante do que aquele que vivia em Londres.
Nome confirmado na primeira convocação de Dunga, David tem agora uma grande oportunidade de se redimir. Avesso a fanfarronices, o novo treinador da Seleção Brasileira certamente está atento ao que ocorreu no Mundial. Para muitos, os recados deixados nas entrelinhas durantes as coletivas estavam direcionados ao o zagueiro e não a Neymar, como se pensou. Sem a presença do lesionado Thiago nos amistosos diante de Colômbia e Equador, é provável que a faixa de capitão retorne ao braço de David. Caso isso se confirme, seria um voto de confiança do comandante. E, pelo que se conhece do exigente ex-volante, é bom ele não decepcionar.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Dean Mouhtaropoulos/Getty Images

domingo, 24 de agosto de 2014

O rei do deserto


Após a conquista da Euro 2008, o lendário Luis Aragonés assumiu o Fenerbahçe naquele que seria seu último trabalho como técnico. Na equipe turca, uma das primeiras alterações táticas promovidas pelo experiente treinador foi recuar o meia-atacante Alex para ser o armador do time. Acostumado a atuar próximo à meta adversária, o brasileiro, a princípio, estranhou a medida, mas logo ouviu do treinador que a ideia era qualificar o passe no meio-campo do Fener. Era o mesmo princípio usado na Seleção Espanhola sendo aplicado em seu novo clube.

A partir daquele momento, Alex se tornou o armador do Fenerbahçe assim como Xavi era na Roja. Uma função tão bem representada por nomes do calibre de Stefan Effenberg, Steven Gerrard e Frank Lampard e consolidada nos pés de Luka Modric, Toni Kroos e Thiago Alcântara, mas que encontrou sua quase extinção no Brasil. Logo no país que um dia aplaudiu a classe de Didi, Gérson e Paulo Roberto Falcão. Hoje, dividimos o meio-campo entre jogadores que marcam e os que atacam. No meio, abriu-se uma cratera. Não por acaso, vivemos uma das maiores crises criativas de nossa história futebolística.

Taticamente, a explicação não é das mais complexas. Nos anos 1980, nossos antigos ponteiros perderam espaço para a inclusão de mais um meio-campista defensivo. Consequentemente, os alas passaram a atuar por, praticamente, toda a faixa lateral do gramado. Escrevo “praticamente”, porque suas subidas precisavam de uma cobertura que só dois volantes poderiam realizar. Desse modo, nasceu o chamado 4-2-2-2 que ainda serve como base para equivocadas ilustrações táticas na televisão e para premiações como a Bola de Prata da revista Placar.

Tempos depois, uma decisão que parecia acertada há 30 anos, tornou-se o grande dilema do futebol brasileiro. Com a compactação dos times, ora uma regra mundial, o que antes era uma zona de destruição passou a ser o centro das equipes. Isso significa que o jogo passou a ser gerado a partir dos volantes e estes precisam agir de forma intensa com e sem a bola. O crônico problema na transição defensiva e na proposição da Seleção Brasileira nos últimos anos é resultado direto desse ultrapassado conceito. Sem jogadores capazes de organizar de trás e sem, aparentemente, haver treinamentos voltados para sanar essa deficiência, a solução encontrada foi a mais pobre possível: Lançamentos diretos desde os zagueiros. Não por acaso, raros foram os lances que obtiveram êxito na Copa.
Num primeiro momento, a convocação realizada pelo técnico Dunga na última terça-feira segue o antigo modelo. Dos quatro volantes chamados, somente Fernandinho se aproxima da figura de um armador. Apesar de ter um passe correto, Luiz Gustavo é, basicamente, um marcador. Ramires é um condutor de bola e Elias pode ser descrito como um volante de infiltração. Na prática, a organização seria realizada por Oscar e Philippe Coutinho, se este jogar. Contudo, ambos atuam, prioritariamente, como meia-atacantes, oferecendo o último passe. Não são construtores de fato. No Chelsea e no Liverpool, os principais armadores são Fábregas e Gerrard, respectivamente.

Entre todos os jogadores brasileiros nenhum se encaixa melhor na definição de armador do que Paulo Henrique Ganso. Dotado de uma visão de jogo incomum e técnica refinada, o meia do São Paulo consegue ditar o ritmo e descobrir companheiros onde ninguém mais enxerga. Impregnado com a noção de que meias devem se aproximar mais do gol, Muricy Ramalho costuma dizer em entrevistas que seu comandado deve entrar mais vezes na área. Talvez não tenha percebido que o habitat de Ganso é justamente o meio-campo. Para ele, finalizar em área deveria ser muito mais uma situação dentro de determinados lances do que uma obrigação frequente. Suas maiores qualidades sempre se mostraram mais úteis no meio-campo, construindo jogadas.

Em seu início de carreira, Andrea Pirlo foi um meia-atacante apenas razoável. Não tinha velocidade e habilidade para se livrar dos marcadores, embora tivesse muita técnica. Um dia, sem poder contar com o lesionado Fernando Redondo, Carlo Ancelotti perguntou se Pirlo não gostaria de fazer um teste na função. E o mundo conheceu um dos maiores registas da história. Todavia, como bem define o jornalista André Rocha, o conceito de meio-campista ainda não chegou ao Brasil. Muitos que não veem a hipótese de Ganso atuar mais recuado possivelmente não sabem que o meia foi o líder de desarmes do Tricolor por um bom tempo. A contribuição defensiva existe, o que não existe é a compreensão de que estamos desperdiçando um potencial craque tentado transformá-lo em algo que ele não é. Enquanto esse entendimento não acontece, continuamos a ver um deserto de ideias no círculo central.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Alexandre Battibugli/Placar

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Pistas de um novo caminho

Nesta terça-feira, o técnico da Seleção Brasileira, Dunga, realizou sua primeira convocação visando os amistosos diante da Colômbia, dia 5 de setembro em Miami, e Equador, 9 de setembro em Nova Jérsei. Entre os 22 chamados, apenas 10 que disputaram a Copa de 2014. Uma prova de que mesmo dentro de um discurso de mudança gradual, alguns nomes provavelmente serão suprimidos deste novo ciclo.
Como era esperado, veteranos como Júlio César (34), Maxwell (32) e Fred (30) não foram ser chamados. A idade também seria ser um complicador para Daniel Alves (31) e Dante (30). Por outro lado, a ausência de Marcelo pode estar ligada a antigos problemas disciplinares com Dunga, algo que significaria um equívoco, uma vez que se pressupõe um momento de reinício.
Paralelamente, segundo palavras do treinador, as portas não estão fechadas para quem disputou o Mundial. Com isso, nomes como o goleiro Victor, o volante Paulinho e os meias Hernanes e Bernard poderão reaparecer em futuras listas, desde que façam por merecer em seus clubes. Por outro lado, figuras mais questionadas como Henrique e Jô dificilmente retornarão. Atualmente lesionado, Thiago Silva é presença certa para a sequência do trabalho.
Observando mais de perto a convocação, alguns detalhes chamam a atenção. Primeiro, a ausência de centroavantes de ofício. Com o baixo desempenho de Fred e Jô e sem nenhum jogador brasileiro de estilo pivô se destacando, nada mais normal do que apostar em atacantes de mobilidade na frente. Existe então a possibilidade real de vermos Neymar novamente atuando como o homem mais avançado da Seleção, tendo liberdade de movimentação, assim como ocorria com Mano Menezes. Na verdade, uma tendência que finalmente poderemos ter no Brasil.
Outro ponto, este pouco auspicioso, é a falta armadores natos entre os meio-campistas presentes na convocação. Ganso, reencontrando sua melhor forma no São Paulo, segue esquecido. Em vez disso, temos a velha fórmula do cabeça de área ao lado do volante de infiltração, atrás de meias que são mais carregadores de bola do que construtores. Quem sabe, o fato de ter sido um volante de boa saída de bola possa fazer com que Dunga corrija a crônica deficiência de transição que tanto afligiu o período que o antecedeu. A conferir...
Confira a lista completa a seguir:
Goleiros: Jefferson (Botafogo) e Rafael Cabral (Napoli);
Laterais: Alex Sandro (Porto), Danilo (Porto), Filipe Luís (Chelsea), e Maicon (Roma);
Zagueiros: David Luiz (PSG), Gil (Corinthians), Marquinhos (PSG), e Miranda (Atlético de Madrid);
Volantes: Elias (Corinthians), Fernandinho (Manchester City), Luis Gustavo (Wolfsburg) e Ramires (Chelsea);
Meias: Éverton Ribeiro (Cruzeiro), Oscar (Chelsea),  Philippe Coutinho (Liverpool), Ricardo Goulart (Cruzeiro) e Willian (Chelsea);
Atacantes: Neymar (Barcelona), Diego Tardelli (Atlético Mineiro) e Hulk (Zenit).
E você, gostou da convocação? Comente!
Coluna escrita originalmente para o site Doentespor Futebol.
Imagem: Tarcisio Badaró/Globo Esporte

domingo, 10 de agosto de 2014

Brasil em duas frentes

O saudoso Millôr Fernandes costumava dizer que imprensa é oposição e que o resto é armazém de secos e molhados. Particularmente, costumava preferir a versão de que a imprensa deveria ser imparcial e isenta, mas os anos me ensinaram que isso não passa de utopia. Em cada análise sempre há uma opinião implícita e um julgamento de valor que muitas vezes não é o mais correto. No caso do nosso jornalismo esportivo, a posição está clara: A CBF está errada até quando acerta. Não que isso seja comum, obviamente.

Um desses raros acertos é o anúncio de uma Seleção Brasileira Olímpica que caminhe paralelamente à principal. O plano arquitetado por Alexandre Gallo e Dunga, os respectivos técnicos, e o coordenador Gilmar Rinaldi é que 46 jogadores sejam chamados a cada convocação. Serão duas equipes com objetivos diferentes. A primeira, composta por atletas com idade olímpica, será comandada por Gallo e terá como meta preparar o grupo que disputará os Jogos do Rio de Janeiro em 2016. Um time que fará uso das mesmas datas FIFA e mandará suas partidas, prioritariamente, nos estádios utilizados na Copa do Mundo. A segunda, treinada por Dunga, cumprirá o ciclo até 2018.


Responsável pela base da Seleção desde 2013, Gallo foi o único “sobrevivente” da hecatombe que atingiu a comissão técnica. Durante o Mundial, assumiu o papel de observador de Luiz Felipe Scolari, mas não foi incluído na lista de dispensas da CBF. Com dois títulos do Torneio de Toulon no currículo, ouve de seus críticos que sua filosofia privilegia a participação de jovens altos e fortes, preferencialmente mais velhos, em detrimento dos mais talentosos. Um erro, uma vez que o primeiro objetivo das categorias menores sempre será revelar jogadores de qualidade.

Discussões à parte, caberá ao treinador a exclusiva montagem de um selecionado voltado para os Jogos tendo datas e estrutura para isso. Algo inédito em se tratando de Seleção Brasileira. Desde os Jogos de Los Angeles em 1984, nossos elencos olímpicos são montados no apagar das luzes, no máximo com a convocação alguns nomes para a composição do grupo principal. Inseridos num contexto distinto, os garotos não moldam um time, apenas passam a fazer parte de um ambiente estelar que, em alguns casos, nem corresponde à realidade.     

Ouro em Londres, o México foi fartamente elogiado justamente por essa estratégia executada pelo técnico Luis Fernando Tena. Chegou a hora de o Brasil ter um planejamento semelhante. Mesmo que a razão seja o fato do torneio acontecer em nosso território, a iniciativa não deixa de ser louvável. Frequentemente, estamos dispostos a criticar a CBF. Talvez seja este o momento de elogiar sem, necessariamente, sermos tachados de armazém de secos e molhados.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Claude Paris/AP

sábado, 9 de agosto de 2014

Por linhas tortas

Quem acompanha a luta diária pela audiência na televisão aberta brasileira provavelmente leu alguma coisa a respeito da queda dos números da TV Globo. Ano após ano, as principais atrações da maior emissora do país veem seus índices despencarem vertiginosamente. Novelas, reality shows, séries e outros programas perderam pontos para outras mídias ou, em alguns casos, para a concorrência. Quando uma paixão nacional como o automobilismo começa a ser vista atrás de um desenho animado repetido à exaustão é sinal de que algo não vai bem. No caso da Fórmula 1, a principal razão provavelmente é a longa ausência de um piloto brasileiro capaz de ser competitivo na categoria. Mas qual será a razão para a queda de audiência do futebol?
Automaticamente, há quem diga que a explicação está na má qualidade dos jogos. Acabamos de sair de uma Copa do Mundo aonde vimos estádios lotados, com público animado, grandes craques e emocionantes partidas. No retorno do Campeonato Brasileiro, o choque de realidade: Arenas bem menos cheias, jogos com pouca qualidade técnica e coletiva e uma quantidade assombrosa de faltas sendo marcadas a cada cotejo. Todavia, se a explicação está na qualidade, a queda deveria ter se dado há muito mais tempo, pois o êxodo dos melhores atletas e as discussões sobre atraso tático tiveram início há, pelo menos, duas décadas, enquanto os públicos médios foram relativamente baixos em quase toda a história dos nossos campeonatos.
A conclusão inicial, aparentemente precipitada, se deve ao fato de que desde o Mundial paira uma ânsia de mudarmos nossos torneios. Um sentimento de inconformismo diante da possibilidade de termos um campeonato nacional muito mais forte do que atualmente é. O resgate de um futebol que nos identifica e que foi deixado para trás em algum momento. No entanto, é preciso ter em mente que tais mudanças não se darão do dia para a noite e não dependem exclusivamente da decisão dos treinadores montarem equipes ofensivas. Trata-se de um processo relativamente lento que precisa ter o respaldo de diversos setores (imprensa esportiva, inclusive) para funcionar. Não fomentar a prática demissionária dos clubes é um bom começo. Normalmente, os melhores trabalhos são os duradouros.
Nesse contexto, a simples hipótese de termos a fórmula do Brasileirão alterada para o velho mata-mata já é um retrocesso. Por um calendário racional entende-se que todos os times devem ter uma temporada repleta de atividades e ter apenas dois chegando ao fim do ano é destruir o planejamento das agremiações e gerar desconfiança nos patrocinadores. Noutras palavras, é um tiro no pé. Algo assim só interessa a quem só tem compromisso com seus índices de audiência. Por ser o maior cliente, é justo e saudável que a Globo cobre um produto de maior qualidade. Porém, qualquer tipo de ingerência que se sobreponha à necessidade dos clubes não contribui em nada com o objetivo de termos um futebol brasileiro melhor, algo que todos desejamos.

Imagem: Veja

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

7 x 1 eterno


Ele está em toda parte. Nas ruas, no trabalho, na fila do banco, na padaria. Durante qualquer assunto mais prolongado, alguém toca no tema. Não adianta. Anos, décadas irão se passar e os 7 x 1 sofridos para a Alemanha serão como uma ferida aberta na alma do torcedor brasileiro. Contudo, no que tange o comando do futebol nacional e a imprensa esportiva, mais importante do que relembrar o massacre de 8 de julho é ter a percepção do que aconteceu naquela tarde em Belo Horizonte.

A CBF agiu rápido. Ao que tudo indica, sua cúpula entendeu que o único problema estava em Luiz Felipe Scolari e demais profissionais. Ao demitir o treinador e anunciar Dunga como seu substituto pouco tempo depois, Marin deu mostras de que a Seleção Brasileira não carece de grandes reparos. Basta nomear alguém capaz de manter a ordem e controlar as vaidades que tudo se resolve. Mexer na estrutura local, nem pensar. Afinal, foi exatamente ela que o colocou ali.

Por sua vez, grande parte da imprensa esportiva preferiu voltar seus canhões para o futebol brasileiro. A goleada alemã foi explicada de diversas formas, como a qualidade do jogo aqui praticado, o baixo público nos estádios, até chegar a uma suposta defasagem de nossos técnicos. Do jogo em si, da apresentação dos jogadores, da formação do grupo que disputou o Mundial, falou-se pouco ou menos do que deveriam. Era como se as justas reivindicações do dia a dia tivessem encontrado o terreno fértil de que se buscava. E que, portanto, não deveríamos perder tempo analisando a equipe quando uma grande oportunidade de mudança se faz presente.

Impossível aceitar integralmente as duas posturas. A primeira, obviamente, pela ausência de qualquer projeto esportivo. A ideia de promover um seminário ou algo parecido para se rediscutir os rumos do futebol brasileiro, incluindo a Seleção, provavelmente nunca foi discutida. Desse modo, não há a adoção de uma filosofia, mas de um escudo contra críticas. No máximo, oferecem apoio logístico e não economizam com instalações. Todo o resto é por conta da comissão técnica. Foi assim com Felipão e assim será com Dunga.
No que se refere ao time canarinho, é preciso observar que sua ligação com o que acontece no Brasil é bem menos estreita do que os analistas afirmam. A maior parcela dos convocados atua com destaque nas maiores equipes da Europa sob as ordens dos principais técnicos. Em entrevista concedida à ESPN há alguns meses, Jürgen Klinsmann, treinador dos Estados Unidos, disse que o que falta ao seu selecionado é justamente o que os brasileiros têm de sobra: Experiência e relevância nas maiores ligas. Sem isso, o alemão acredita ser difícil competir no mais alto nível.

A nova missão do capitão 1994 no ciclo que se inicia está muito mais atrelada ao desempenho dos principais atletas brasileiros espalhados pelo mundo – e isso também inclui avaliar nomes da Série A – do que ao desenvolvimento do futebol praticado no Brasil. Ambas são questões importantes, porém distintas. Essa jornada se assemelha muito mais a de Alejandro Sabella na Argentina do que a de Joachim Löw na campeã mundial. Assim como Sabella, Dunga precisa reunir jogadores que militam nos mais diferentes campeonatos e transformá-los num time. Löw, ao contrário, pode se concentrar mais na Bundesliga e monitorar um grupo mais restrito fora da Alemanha.

Logicamente, não se trata de desconsiderar as mudanças fundamentais pelas quais o futebol nacional deverá passar caso pretenda atingir um maior grau de desenvolvimento. Os 7 x 1 não revelaram atraso nenhum, pois, para quem queria enxergar, ele estava lá há uns bons anos. Para recuperá-los, faz-se primordial um plano de reestruturação que, provavelmente, nossos atuais dirigentes são incapazes de organizar. Por outro lado, Dunga, de volta à condição de técnico da Seleção, tem obrigações de curto prazo que independem dos passos de cágado da cartolagem. Esquecer a vexatória campanha no Mundial ninguém vai. Todavia, poucos remédios surtirão melhor efeito do que vermos uma Seleção Brasileira competitiva novamente.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters