sábado, 1 de agosto de 2015

A revolução silenciosa

Alguma coisa está mudando no futebol brasileiro. Lentamente, como tudo costuma ser, mas existem forças positivas em andamento dentro de uma estrutura historicamente arcaica. É verdade que o nível de endividamento dos clubes continua alarmante, que a política demissionária de técnicos segue imperando e que a cartolagem – sobretudo de federações estaduais e CBF – continua sendo um entrave. No entanto, em diversos aspectos podemos constatar avanços consideráveis que não podem ser ignorados. Pontos que, reunidos, formam uma pequena e silenciosa revolução que chama a atenção de quem sempre manteve um espírito crítico em relação ao futebol local.
Dentro de campo, já é visível a maior compactação e intensidade nas partidas. A imagem de um futebol brasileiro moroso e espaçado vem dando lugar a jogos mais rápidos e dinâmicos. Com isso, boas partidas vêm deixando de ser algo raro no Brasileirão. É certo que as longas viagens e o calendário inchado são um empecilho quando se pensa na aplicação de velocidade Premier League, porém, nota-se que a referência mudou. Os times nacionais ainda não são intensos como as principais equipes europeias, mas o Brasil não tem sido mais uma ilha isolada no planeta.
E tal mudança não passa apenas pelos jogadores e treinadores. Embora essa questão não tenha sido tratada de forma aberta pela Comissão de Arbitragem da CBF é nítida a existência de uma orientação para que os árbitros deixem o jogo “correr” mais. Os choques têm sido considerados normais e nem todo esbarrão é interpretado como falta. E isso tem contribuído de forma sensível para o aumento da dinâmica nas partidas. Mesmo a polêmica punição severa das reclamações pode se tornar algo positivo a médio/longo prazo. Existe uma cultura enraizada no Brasil que coloca o árbitro como outro adversário a ser derrotado. Quanto menos os atletas se preocuparem com os árbitros, maior a possibilidade de se concentrarem exclusivamente na partida que estão disputando. Logicamente, ainda veremos expulsões exageradas até que o novo sistema encontre seu equilíbrio, contudo, quando isso acontecer, a tendência é que todos saiam ganhando.
Outro movimento bastante positivo é a evolução da média de público dentro do campeonato. Apesar dos 16.392 pagantes desta temporada ainda não ter ultrapassado os 16.537 de média total registrada em 2014, a curva que determina o aumento de público é visível e auspiciosa. São mais de 20 mil em julho, sendo que a décima sexta rodada tem tudo para ser a de maior público até o momento com quebra de recorde do campeonato na partida entre Flamengo e Santos no Maracanã. Difícil especificar todos os fatores para o aumento do público, uma vez que o preço médio do ingresso continua alto. Mas é possível citar alguns como o novo horário das 11 da manhã, a presença de Atlético Mineiro e Corinthians nas primeiras colocações da tabela, o fantástico apoio da torcida do Palmeiras (dono da maior média) e a chegada do atacante Paolo Guerrero inflamando os torcedores do rubro-negro carioca.
Enquanto algumas coisas se transformam internamente, boas notícias surgem do meio externo ao esporte. Quase que simultaneamente às ações do FBI que desmantelaram um esquema de corrupção na FIFA e culminaram com a prisão do ex-presidente da CBF, José Maria Marin, houve a aprovação no Senado Federal da Medida Provisória 671, também conhecida como MP do Futebol, na prática, trata-se do primeiro passo para o fim das gestões temerárias que tantos danos causaram ao nosso futebol. Evidentemente, a chamada Bancada da Bola trabalha para diminuir os impactos da MP, entretanto, dificilmente conseguirão barrar o cerne da matéria. Não há dúvidas de que o futebol brasileiro deveria ser mais autônomo, mas se não é capaz de se auto-regular, que a moralização venha de fora.
Paralelamente, não se nota grandes mudanças em nossa imprensa esportiva. A perigosa mistura entre esporte e entretenimento está mais presente do que nunca e isso se nota até em espaços onde a informação ainda sobrevive como o principal ativo. Está claro que a audiência norteia a mídia e isso não seria diferente no esporte, porém, a busca pela qualidade não pode ser deixada em segundo plano. Análises táticas mais profundas e debates mais elevados não deveriam ser exceções num grande universo de mesas redondas que levam do nada a lugar nenhum. Do mesmo modo, as entrevistas deveriam questionar muito mais sobre o jogo, em vez de alimentar intrigas e fomentar a eterna corda bamba em que vivem os treinadores. Não há dúvida que todos sairiam ganhando com isso. Sobretudo, o futebol tão massacrado no país que um dia o classificou como casa. 
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

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