quinta-feira, 3 de julho de 2014

Pontos e Vírgulas

Coluna destinada a comentar as opiniões emitidas pelo órgão responsável pela chegada de informações ao público aficionado por futebol: a imprensa esportiva. Afinal, bem ou mal, é através dela que tomamos conhecimento de (quase) tudo o que cerca o mundo da bola.

Quando o cérebro dá lugar ao fígado

Não saberia precisar em que momento a boa relação entre Seleção Brasileira e imprensa esportiva se rompeu. Talvez tenha sido após a evolução dos próprios meios de comunicação, quando o número de jornalistas cobrindo o escrete canarinho aumentou a tal ponto que a velha resenha com treinadores e atletas deixou de ser possível ou tão frequente, tornando a relação mais fria. Ou com a chegada de Ricardo Teixeira ao comando da CBF, um dirigente que sempre puniu com distanciamento quem ousava criticar ou investigar os atos de sua gestão. Quem sabe, a origem esteja no histórico Manifesto de Glasgow, documento redigido pelos jogadores brasileiros em junho de 1973 que expressava descontentamento com notícias que julgavam ser falsas.

O fato é que a relação não é boa. Isso se reflete nos comentários, na cobertura diária das principais competições, na análise de desempenho e, sobretudo, na cobrança por resultados. Logicamente, não se espera que a pressão por bom futebol seja amena num selecionado cinco vezes campeão mundial. O parâmetro estabelecido como ótimo passou a ser as seleções de 1970 ou 1982, obviamente, sem os problemas defensivos da última e com o tom turvo da memória afetiva. Tudo o que se fez depois disso parece insuficiente ou enfadonho, mesmo que os números não digam o mesmo.


É consenso que a Seleção comandada por Luiz Felipe Scolari não atravessa um bom momento. O crônico problema na saída de bola e da ligação direta persiste e foi potencializado pela pressão de se disputar um Mundial em casa. Sem dúvida, uma combinação perigosa que vem colocando em risco a permanência brasileira na competição. Paralelamente, outros postulantes ao título também enfrentam problemas de outra natureza e, até agora, ninguém desponta como grande favorito. Um bom exemplo é a Alemanha e seu quarteto de centrais na primeira linha e a forma kamikaze como enfrentaram – e quase foram eliminados – pela Argélia. Fosse com o Brasil, muita gente teria arrancado os cabelos.

A questão central não é reconhecer os defeitos da Seleção Brasileira. E nem observar com mais critério o que se passa do lado de lá. Isso deveria ser obrigatório para quem se propõe a trabalhar com futebol. A questão é a maneira como uma grande parcela da imprensa brasileira lida com a Seleção. Passa longe de ser o “jogar junto” erroneamente sugerido nesta semana por Felipão, mas não deveria ser a maneira quase colérica como alguns se comportam. Se a paixão deveria ficar de fora como prega a imparcialidade, o ódio também deveria. Talvez substituído por uma boa análise estatística das partidas. Mas creio que aí já é querer demais.


Imagem: Ari Ferreira/LANCE! Press

6 comentários:

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Acho que muito desse dualismo entre oba-oba e tom mais crítico vai muito do interesse de cada canal, cada jornal e cada colunista. Existem alguns que vão na onda, outros gostam de puxar o saco dos amigos e outros, mesmo que estejam errados, gostam de manter um "verniz" mais crítico, ou até por não gostar pessoalmente de quem está na Seleção.

Sobre essa coisa de sempre cobrar mais do Brasil vai um pouco, como você disse, do desconhecimento de outros times e seleções; dá a impressão que muitos só vêem os jogos de outros países na época da Copa...

Thiago Ribeiro disse...

Lembrar de que em 1970 João "Sem-Medo" Saldanha só foi escolhido como um "cala-boca" à imprensa e principalmente a ele que criticava tudo na ditadura, principalmente a Seleção.

E pra ser derrubado houve uma campanha difamatória pesadíssima da imprensa contra ele comandada pelos militares.

Michel Costa disse...

Também existem, Alexandre, aqueles que torcem descaradamente contra, mas tentam encobrir sob um viés de isenção. Esses, para mim, são os piores.

Michel Costa disse...

Sim, Thiago, mas não podemos perder de vista episódios como o de março de 1970 quando Saldanha invadiu a concentração do Flamengo de revólver em punho para ameaçar seu crítico, o técnico Yustrich. Realmente não haveria clima para mantê-lo na Seleção depois daquilo.

Alexandre Rodrigues Alves disse...

É como eu falei, existem os que tentam ser críticos apenas por birra pessoal e tentam vender imparcialidade (talvez esqueci desse complemento quando escrevi pela primeira vez). Acho que todos esses estilos são ruins pois tentam desviar o foco do que acontece, co cada um indo para o seu interesse.

Michel Costa disse...

Exatamente. E existe um comentarista que materializa isso como poucos.