quarta-feira, 9 de julho de 2014

Lições de uma tragédia


Há 15 anos, após conquistar sua segunda Copa América seguida, a Seleção Brasileira comandada por Vanderlei Luxemburgo abriu mão de suas principais estrelas e rumou para o México visando a disputa da Copa das Confederações. Na estreia, um baile de 4 a 0 sobre uma envelhecida Alemanha. Naquele momento, olhando para nós mesmos, demos pouca importância ao que acontecia do outro lado. Uma das maiores camisas do futebol se encontrava em sérios apuros. Por incrível que pareça, ainda chegaram à final do Mundial de 2002 amparados pela grande fase do meia Michael Ballack, do então jovem artilheiro Miroslav Klose e da muralha Oliver Kahn. Desta vez, perderam por um placar menos elástico para o mesmo Brasil, porém estava claro que alguma coisa precisava mudar.

E os alemães mudaram. O futebol de força que utilizava líbero e atuava de forma mais espaçada deu lugar a um futebol técnico, compacto, fluído e, sobretudo, coletivo. Os resultados voltaram a acontecer, os títulos ainda não, mas não restam muitas dúvidas de que o caminho tomado estava certo. Depois dos 7 a 1 sofridos pelo Brasil no Mineirão, a maior derrota de nossa história, é inevitável que a reflexão mude de lado. O perigo está em não identificar os problemas de forma correta, algo que um resultado tão massacrante pode induzir.

A primeira reação é apontar o dedo para o futebol praticado no País. Dirigentes corruptos, calendário absurdo, métodos de treinamento ultrapassados, tudo isso realmente existe e precisa ser sanado. No entanto, nem todas as respostas se encontram aí. Neste 8 de julho, nove jogadores que iniciaram a partida atuam em clubes europeus e são comandados pelos principais treinadores do planeta. Os outros dois, o goleiro Júlio César e o atacante Fred também militaram no Velho Continente. Portanto, falar em diferença entre o futebol praticado no Brasil e na Europa seria, pelo menos diretamente, um equívoco.

Antes de tudo, é preciso entender o que foi esta derrota. A maneira como ela aconteceu. Depois de um início onde a vontade era maior do que a organização, a Seleção Brasileira deu mostras de que pretendia encarar a Alemanha de frente. Marcelo chegou a finalizar com perigo e um duelo equilibrado parecia surgir. Até que a Seleção sofreu o primeiro gol. Talvez pela ausência de Neymar, sua principal referência, e quem sabe por não apresentar uma estrutura tática capaz de reagir, o Brasil sofreu mais um gol. A partir dali, os três gols subsequentes são resultado de uma equipe intensa e bem postada contra outra emocionalmente destruída. Com os 5 a 0, ao fim da etapa inicial estava claro que a eliminação estava sacramentada.

Não é por coincidência que as duas derrotas mais dolorosas da Seleção nos últimos tempos esbarraram justamente no aspecto psicológico que não encontrava respaldo na organização. Em 1998, na França, uma equipe desnorteada pela convulsão de Ronaldo e mal organizada em campo por Zagallo levou 3 a 0 dos donos da casa. Agora, um time que trazia consigo um crônico problema de transição e se ancorava em Neymar viu tudo ruir quando seu craque deixou a competição. Em ambos os casos, a falta de uma equipe coesa o bastante para trabalhar nas adversidades. Como escreveu o analista de desempenho do Grêmio, Eduardo Cecconi, não é possível prescindir de organização no futebol moderno. Isso vale para clubes e seleções. Que o próximo técnico do Brasil seja escolhido por critérios técnicos e táticos, mesmo que sabendo que o lado psicológico também é relevante. E que este último aspecto não funciona sem os primeiros.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Foto: Ricardo Matsukawa/Terra

8 comentários:

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Sobre o jogo em si não há muito o que dizer: foi incompreensível a escalação de Bernard, já de saída. Felipão, que pouco treinou o time para se acostumar com a ausência de Neymar (e pouco treinou de forma geral em termos táticos), deixou o meio campo desguarnecido como nas outras partidas. Khedira jogou com uma liberdade espantosa e fez com que Schweinsteiger nem precisasse passar do meio de campo. Kroos mais uma vez liderou o time alemão que só não fez mais gols por excesso de respeito. A defesa brasileira sentiu uma falta grande de Thiago Silva, mostrando que ele é que é o principal zagueiro do time, bem acima do superestimado David Luiz (sei que o Michel não concorda muito com isso, mas para mim o craque da zaga é o Thiago).

Acho que o planejamento desde a base, fazendo com que o futebol brasileiro resgate algumas características como toque de bola, posse, técnica e variações é necessário. Concordo que as visões sobre planejamento tático e psicológico, que tanto faltaram nessa Copa, devam estar juntas nesse processo. Concordo com que o PVC disse. Não adianta apenas colocar um treinador estrangeiro como escudo e achar que tudo está resolvido na Seleção. O todo deve ser olhado com mais carinho.

Fabiano Dias disse...

Ainda sobre o jogo, o Brasil deveria ter entrado com mais jogadores de meio de campo, para segurar o jogo por ali, talvez o Willian ou Hernanes, e Bernard deveria entrar no lugar do Fred. Mas creio que mesmo que entrasse jogando assim, o Brasil seria presa fácil para a Alemanha também, pois o Brasil simplesmente não treinou para a Copa (pelo menos em 2010 a seleção treinava). Oras, mesmo com muita farra, a Alemanha treinava todos os dias, até no dia seguinte aos seus jogos, e o Brasil tinha folgas e folgas. Ah, mas o jogadores todos jogam na Europa e a temporada foi desgastante, certo. E os alemães jogam todos na Europa, holandeses também. Isso não é desculpa para tantas folgas. Fora que vimos uma zorra total na Granja Comary, algo parecido com Weggis (confesso que senti saudade do Dunga nesse quesito também). Todos os treinamentos lá foram abertos, escancarados para todos verem. Mesmo que fossem fechados vimos que não iria mudar muita coisa, vide a (falta de) tática usada por Felipão. Um time sem alma, que desde o começo ganhou por lampejos de uns, malandragem de outro, ou seja, um amontoado em campo.

Faltou também jogadores experientes em campo. Mas a teimosia não deixou. Futebol é organização dentro e fora de campo, não se ganha mais no grito, como alguns membros da comissão técnica achavam.

Enxergo um futuro tenebroso para o nosso futebol. Enquanto estivermos nas mãos de Marins e Del Neros, não vejo um futuro promissor. E pior, não avistamos nomes de pessoas que queiram mudar o cenário atual. E fico a pensar, será que Tite aceitará o cargo de treinador com essa corja comandando o nosso futebol?

Danilo Costa disse...

A seleção brasileira refletiu a nossa cultura. A seleção da Alemanha refletiu a sua cultura. Mas o futebol não é uma ciência. Sorte do Brasil. As vezes não. Um país que tem potencial, recursos... mas esbarra na sua ingerência. Temos jogadores, temos o melhor clima, a terra mais fértil, recurso energético de sobra... potencial apenas não basta. No futebol às vezes por ser futebol. Na política e na economia, não. Eles também erram. Erros graves. Massacres. Guerras. Crises. Mas aprendem com os erros. O Brasil nem isso. Vivemos na terra do nunca. A realidade pune os "jeitinhos". E que continue o eterno "oba-oba"...

Guilherme Siqueira disse...

Dia 1º de Setembro de 2001: nesse dia a Alemanha levou uma sapatada histórica dentro de casa de uma seleção até então considerada freguesa, a Inglaterra. Talvez esse tenha sido o marco para que os germânicos vissem que algo precisava ser feito. Algo parecido com a surra que levamos ontem. Lembrando sempre que eles tem, hoje, um time muito mais cascudo que o nosso(formado por meninos de vinte e poucos anos em sua primeira copa, em sua maioria). Perderam duas semi de copa, uma de euro e uma decisão de euro com muitos desse time. No Brasil jamais teríamos mantido o treinador após esses resultados, apesar das boas campanhas(em 2006 o treinador era Klinsmann, Low era auxiliar).

Michel Costa disse...

Estou plenamente de acordo, Alexandre. Inclusive, no que diz respeito ao craque da defesa. O lado peladeiro do David Luiz sempre me incomodou. Muita gente gosta, mas eu não. Talvez por isso sugerem seu nome como volante, porém, gostaria de ver um meio-campo mais construtor. O lugar de David é a zaga central. De preferência, ciente de suas funções.

Michel Costa disse...

Entendi que aquele 4-3-3 foi um erro colossal, Fabiano. O sistema anterior, o 4-4-1-1 com apenas a entrada de Willian na vaga de Neymar ou invertendo com Oscar seria o ideal pra mim. Como a Alemanha adianta suas linhas, talvez fosse o caso de optar pelo contra-ataque. Não há vergonha nisso. Não naquelas circunstâncias. Bem, agora é tarde.

Michel Costa disse...

Não seria tão pessimista, Danilo. Tem muita gente que trabalha de forma séria no Brasil. O que foi feito em 1970 e 1994 são mostras de que, pelo menos um dia, aprendemos com nossos próprios erros. Vamos ver se isso se repete agora.
No caso específico da Seleção, acho que Tite pode fazer esse trabalho visando 2018 sem problemas. Já o futebol brasileiro em si são outros quinhentos...

Michel Costa disse...

É verdade, Guilherme. A Alemanha passou por outras derrotas pesadas além das que eu citei no texto. Felizmente para eles, as decisões tomadas foram as mais corretas. Fico feliz quando um trabalho bem feito colhe frutos e espero que isso se confirme na final.