sábado, 19 de julho de 2014

Brasil no divã


Como não poderia deixar de ser, os dez gols sofridos pela Seleção diante de Alemanha e Holanda tiveram um efeito devastador sobre a opinião pública. Rediscutir toda a escola brasileira tornou-se pauta obrigatória na imprensa esportiva. Naquele momento, não era apenas o escrete canarinho que parecia estar em questão. Das categorias de base, passando pelo tipo de futebol que se joga no país, pela maneira como nossos atletas se desenvolvem no exterior, até chegar à defasagem dos técnicos nacionais, tudo o que foi construído ao longo do tempo deveria ser colocado à mesa.

De certa maneira, era como se as pessoas que se importam com esse esporte tivessem feito uma terapia de regressão para compreender o que deu errado no caminho até o massacre de 8 de julho. Era uma volta ao passado, uma tentativa de reencontrar as raízes perdidas de nossa cultura futebolística. Inevitavelmente, a busca faz uma parada no Mundial de 1982 onde, segundo o craque Paulo Roberto Falcão, a Seleção “perdeu a Copa, mas ganhou o mundo”. Para muitos, dali para frente o talento cedeu espaço para a força e volantes meramente marcadores usurparam o lugar dos antigos armadores. Até mesmo Telê Santana, mentor daquela inesquecível equipe, passou a escalar jogadores mais combativos do que criativos à frente de suas defesas depois da fatídica derrota para a Itália no estádio Sarriá.

Os títulos da Espanha em 2010 e Alemanha nesta Copa reafirmaram a tendência de um futebol voltado para o coletivo, protagonista e com jogadores multifuncionais no meio-campo. O mesmo que a Seleção Brasileira foi um dia, logicamente, com as peculiaridades daqueles tempos. Em meio a tantas constatações, passou-se a acreditar que um técnico estrangeiro poderia resgatar o que nenhum profissional local seria capaz de fazer. Nomes como Pep Guardiola e José Mourinho foram sugeridos, mas além de não estarem no mercado, seus estilos diametralmente opostos indicam que muitos ainda se preocupam mais com a grife do que com a proposta que deveria ser implantada.

Quando surgiu a informação de que a CBF não contrataria um nome estrangeiro, Tite surgiu como a escolha mais óbvia. Responsável por um dos projetos mais consistentes dos últimos anos, o ex-treinador do Corinthians era o ideal por reunir as principais qualidades que a missão necessita: Organização, entendimento do jogo, capacidade de motivação e atualização. É um estudioso, alguém que sempre procurou observar – até mesmo in loco – o que outros técnicos fazem pelo mundo, tipo de humildade pouco comum por aqui. Porém, pelo visto, essa obviedade esbarrou na ligação do técnico com Andrés Sanchez, conhecido opositor à cúpula da entidade. Não por acaso, notícias dão como adiantadas as tratativas de Tite com a Seleção Japonesa.

Na última quinta-feira, com o anúncio do ex-goleiro Gilmar Rinaldi como novo coordenador técnico do Brasil, veio enfim a sensação de que pouco ou nada mudaria. Com pouca experiência para uma função tão complexa, Gilmar, com o respaldo de Marin e Del Nero, deve apostar no retorno de Dunga ao comando da Seleção. Por mais que o capitão do Tetra tenha realizado um trabalho digno no ciclo 2006-2010, este não é o momento para a sua volta. Não quando se clama por um futebol que passe longe do estilo contra-ataque e bola parada. Na prática, isso significa a continuidade do tão abominado “resultadismo”, filosofia do “ganhar a qualquer custo” e que quando não vem acompanhada do resultado não traz quase nada consigo. Todavia, pelo andar da carruagem, os fãs do futebol brasileiro vão precisar de muita terapia nos próximos anos.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Foto: Agência Brasil

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