domingo, 19 de agosto de 2012

Brasil, ainda o país do futebol

De uns tempos para cá, o velho clichê que dá ao Brasil a alcunha de “país do futebol” vem sendo colocado a prova. Curiosamente, esse tipo de contestação costuma surgir quando as coisas não vão bem para a Seleção Brasileira e/ou o Brasileirão não está agradando. Coincidência? Talvez não, mas alguns pontos deveriam ser mais debatidos antes de bater o martelo e dar o título a qualquer nação.
Em primeiro lugar, existe a maneira como o público do futebol é tratado no Brasil. Estádios vazios, gramados ruins, competições desinteressantes, calendário inchado, e nada é feito para mudar esse cenário. Se o torcedor não é tratado como cliente que é, como cobrar sua presença num local que não oferece boas condições para isso? Atualmente, ir a um estádio de futebol é muito mais uma aventura – às vezes arriscada – do que uma forma de lazer. Obra e graça de nossa cartolagem que, para ser chamada de amadora, teria de melhorar muito. Assim, até para se proteger, o torcedor procura o abrigo de sua casa ou de um bar para poder beber ao lado dos amigos e ainda curtir um joguinho no pay-per-view.
No entanto, só isso não deveria ser suficiente para avaliar o quanto o futebol está impregnado num povo. Seria interessante estabelecer quais critérios estamos usando. Se o olhar estiver voltado para quem melhor organiza seu campeonato e vende melhor seu "produto", então a escolha óbvia é a Inglaterra. Mas o que dizer da produção de jogadores quase medíocre na Terra da Rainha? Lembremos também que na Premier League mais da metade dos atletas são estrangeiros. Um problema como esse não deveria ficar fora dessa equação. Porém, se a ideia for combinar público nos estádios, vibração das torcidas e produção local de grandes jogadores, então a melhor opção é a Alemanha que, historicamente, apresentou ao mundo talentos consideravelmente melhores do que os da Inglaterra.
Por outro lado, existe algo que não pode ser desprezado: A cultura futebolística. Algo compartilhado com nossos vizinhos uruguaios e argentinos. O Brasil é um país quase mono-esportivo. Aqui, o futebol só dá lugar, a contragosto e de quatro em quatro anos, às Olimpíadas. Se as pessoas não estão lotando os estádios, mas consomem futebol em doses cavalares na TV, na internet e noutras mídias, imagino que o futebol ainda esteja presente em nosso sangue. Não há razão para crer que isso tenha mudado. E quando pensamos nas dimensões de nosso território e, sobretudo, no tamanho de nossa população, vemos que continuamos sim fazendo jus a essa alcunha ou, no mínimo, pleiteando essa condição.
Ainda mais se o assunto em debate for talento. Enquanto a badalada Espanha discute se o seu maior jogador em todos os tempos é Raúl ou Xavi, o Brasil conta com pelo menos vinte craques que foram melhores do que eles. Se a questão é debater apenas o atual momento, então cabe lembrar que a UEFA Champions League, maior torneio de clubes do mundo, apresenta mais brasileiros do que qualquer outra nacionalidade. Ou seja, os brasileiros seguem bem representados na elite futebolística do planeta. Mas, se o assunto for jogadores do topo, vejo que também cabe uma observação. Na segunda metade da década de 1980, o reinado de Maradona, também não tínhamos jogadores no topo. No máximo, alguém poderia citar Careca, parceiro do gênio argentino. Os reais concorrentes de Maradona eram Gullit, Van Basten e Matthaus. Somente no início dos anos 1990 é que Romário conquistou o cetro. Depois do Baixinho, houve uma sequência impressionante de craques brasileiros recebendo o prêmio de melhor do mundo: Ronaldo (duas vezes), Rivaldo, Ronaldo de novo, Ronaldinho (duas vezes) e Kaká. Na verdade, seria até arrogante pensar que tal condição se estenderia infinitamente sem uma entressafra. Mas, ao que tudo indica, Neymar deverá cumprir essa trajetória no futuro. O presente? Ah, mas quem disse que o mundo vai acabar neste ano?

12 comentários:

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Creio que entendi o raciocínio do seu post: Criticar todo o entorno do futebol brasileiro apenas se valendo dos resultados da Seleção Brasileira é querer às vezes se aproveitar do problema e não pensar em resolvê-lo; em 1994 e 2002 o Brasil ganhou a Copa do Mundo e muitos que dizem que o Brasil não é mais o país do futebol comemoraram as conquistas, sem lembrar que a Seleção sofreu para se classificar nas duas vezes e, mesmo com os títulos, os problemas que você citou não foram resolvidos, ou seja, as críticas têm de ser feitas também na vitória e não podem ser exageradas na derrota.

Michel Costa disse...

É por aí, Alexandre. Na verdade, ao contrário do que muitos pensam, não é possível cravar que determinada nação é o país do futebol baseando-se apenas na qualidade de seu campeonato e na frequência dos estádios. É muito pouco. O Brasil tem problemas atávicos, mas não podemos perder de vista sua cultura futebolística.

Gustavo Carratte disse...

Palmas, Michel. Muitas palmas. O seu raciocínio é excelente, e também penso ser muito precipitado dizer que o Brasil não é mais o país do futebol. Tudo bem que basta uma pessoa de maior prestígio dizer uma frase pouco reflexiva para outras milhares a acharem brilhante e repeti-la, mas essa ultrapassa um pouco os limites.

Ontem mesmo escrevi que "Estiagem" deve ter sido, dos que eu li, o primeiro texto de André Kfouri que discordei da maioria dos argumentos. Um deles era este, o oposto do que você disse.

Michel Costa disse...

Exatamente, Gustavo. Não deixei claro, mas este post é uma resposta ao texto "Estiagem" do André Kfouri. Para quem não leu, aí está: http://blogs.lancenet.com.br/andrekfouri/2012/08/17/camisa-12-111/

marcus buiatti disse...

Eu acho que depende do critério, como diz o texto.

Se o critério for dentro de campo, acho que é inquestionável que o Brasil ainda é o país do futebol e será, no minimo, por um bom tempo.

Agora, se for fora do campo, envolvimento da comunidade com o jogo, como elemento socio-cultural, pra mim é inquestionável que é a Inglaterra, onde as cidades vivem pro futebol, onde há produção de livros, revistas, noticia, memorabilia, tudo, sobre futebol, inimaginavel em qualquer outro pais do mundo.

Eu nasci e morei em uma cidade do interior, mas com grande população, com alto poder economico e com um estádio e time decente nos anos 80/90 (era o terceiro time de Minas): Uberlandia. o publico médio era de 300 pessoas por partida. Só enchia o estádio contra os grandes times. Isso é geral no Brasil, os grandes públicos (como a torcida dos GRANDES pernambucanos e baianos) é exceção. Nas cidades interioranas, BRasil afora, pouca gente vai ao estádio. A cultura aqui é de jogar bola, mais que acompanhar o esporte futebol, ler, comprar, etc. Torcida aqui é mais pra pertencer a um grupo que por apreciar o esporte, acho eu. MAs aí é outra discussão...rs

A maior média de público do brasileirão EM TODA A HISTORIA foi, em 87, 20 mil pessoas. Em geral nosso campeonato tem media de 12 mil pra baixo. Estaduais, pior ainda. HISTORICAMENTE. Com todas as devidas ressalvas feitas no texto, ainda assim é muito pouco...

Na Inglaterra, eles colecionam tudo referente a futebol, tem 300 canais de futebol, livros em quantidade estratosférica, venda de dvds sobre futebol, etc. Existe uma cultura de consumo, envolvimento da comunidade e das pessoas muito maior que aqui.

Como disse, em geral, no mundo inteiro, existe esse senso comum (com o qual eu concordo): dentro de campo, o Brasil é o pais do futebol. Fora, Inglaterra.

Abraços, Michel e amigos!

Marcus buiatti disse...

Michel,

Abusando um pouco da paciencia: dois anos atrás, não lembro porque, eu colhi dados sobre em qual pais do mundo se jogava mais futebol, tendo como base o numero de atletas filiados na confederação nacional e federação. SALVO engano, meu, o país que tinha mais clubes federados, e portanto atletas filiados, era a Alemanha. Veja voce!!

Nem China, nem BRasil, nem URSS. Embora, claro, isso não prova quem joga mais futebol...o numero de escolinhas no BRasil é absurdo e tem o futebol de salão, bastante difundido por aqui e quase nulo na Inglaterra, por exemplo. Duvido que em qualquer outro pais do mundo se jogue tanto futebol como no BRasil.

Tem outro dado interessante. Salvo engano, o pais com maior numero de jornais e revistas que falam espcificamente de futebol é a Grécia.

Acho legal estesdados que, se não provam nada, são indicios da paixão de um povo pelo esporte.

Michel Costa disse...

Salve, Marcus!

Se fosse possível, o ideal seria atribuir pesos em cada aspecto relevante dentro da cultura futebolística de cada país. Produções de jogadores, importância dentro da sociedade, tamanho da população, futebol enquanto produto, mídia, etc. Não foi possível detalhar muito no post, mas a ideia central é, basicamente, incluir tudo o que é relevante. Só assim poderíamos falar em país do futebol.
No caso específico da Inglaterra, citar a mídia escrita ajuda a mostrar a importância do futebol por lá, mas os ingleses leem seus jornais, seus tablóides, etc. No Brasil, a mídia principal é a TV. Brasileiro (quase) não lê! Só agora, recentemente, é que a produção de livros se tornou mais efetiva por aqui. Creio que essa questão do relacionamento da população com as mídias deve ser levado em conta também.

Grande abraço.

Marcus buiatti disse...

Olá Michel,

Pertinente este ponto seu. É verdade, a mídia brasileira, por excelência, é a TV. E as audiências de futebol são altas. Confesso que desconheço na Inglaterra e se forma comparativa com o Brasil.

De qualquer forma, seu artigo abre discussão bem interessante. Vou ler o artigo do André pra ver a origem da sua idéia.

Aproveito pra fazer uma correção: eu usei o termo inquestionável. Soa arrogante e exagerado. Retiro...é bastante questionável sim.

Abraço!

Yuri disse...

Eu tenho uma teoria maluca que o pais do futebol é Portugal (dá até para fazer um post). Ela é embasada em 4 pontos:

1) número de jogadores bons prum país tão pequeno

2) número de times, mesmo em aldeias minúsculas

3) número de sócios de FC PORTO, benfica e SCP

4) pico de audiência da selecção portuguesa na TV (73 pontos, inimaginável no Brasil)

***

Quanto à Inglaterra, quase tudo é dito e sabido entre os fãs de futebol, mas algo surpreendeu até a mim: os jornais dos clubes não-liga, ou seja, abaixo da quinta divisão. Fantástico, há jornais impressos falando somente de times do sexto escalão para baixo.


Marcus Buiatti disse...

Legal isso Yuri, eu nao sabia. O que mais me fascina na Ingkaterra, e que nao temos no Brasil, de forma geral, é o envolvimento da comunidade com o time do bairro ou da cidade. Acho isso bem legal e nao temos aqui, de forma geral. Dizem que o brasileiro adora os estaduais e a gente vê clubes de cidades grandes, medias, com clubes tradicionais, com públicos mínimos, como o Botafogo de Ribeirao Preto, o Tupi de Juiz de Fora, etc.

Yuri disse...

O Botafogo até que sobrevive bem melhor que a média geral de público. O caso que mais me surpreende é o dos times de Rio Preto, em especial o América. Eu não sei o que aconteceu, mas qualquer time supera a média de público do América. Tá como o Uberlândia da época que você falou.

Michel Costa disse...

Marcus e Yuri,
Se formos analisar, outros países vão pedir passagem nessa escolha. O Uruguai talvez tenha uma cultura futebolística até maior que a do Brasil. Porém, a questão do tamanho da população também pesa. Outro país fanático é a Turquia, onde até o McDonalds precisa mudar de cor e onde os fãs mostram sua paixão nas redes sociais de uma maneira desproporcional ao resto do mundo.