quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Maneiras e maneiras de se ver futebol.

Até este momento, não se sabe o destino de Ronaldinho Gaúcho. Grêmio, Flamengo e Palmeiras estão oficialmente em leilão pela contração do craque. Sim, leilão, não existe uma palavra que defina melhor o tipo de negociação proposta por seu irmão e agente, Roberto de Assis.
No entanto, o mais certo é que Ronaldinho atue no futebol brasileiro em 2011. Bons analistas como Eduardo Cecconi (aqui) e Carlos Pizzatto (aqui) já projetaram como o jogador poderia ser bem aproveitado no Grêmio (seu destino mais provável), mas ainda não há pistas de como o técnico Renato Portaluppi encara essa questão, com o mesmo se aplicando ao rubro negro Vanderlei Luxemburgo e ao alviverde Felipão.
Embora seja visto por muitos no Brasil como meio-campista, Ronaldinho sempre se deu melhor quando atuou mais à frente, caindo pela ponta esquerda. Foi assim no Barcelona quando alcançou seu auge e foi assim no Milan quando chegou a ficar entre os 30 pré-selecionados de Dunga para o último Mundial. Nas duas ocasiões, uma coisa em comum: a pouca (ou nenhuma) contribuição com o sistema defensivo das equipes.
Pessoas ligadas à antiga diretoria do Barcelona dizem abertamente que a liberdade dada a Ronaldinho se justificava pela magia de seu futebol. Porém, assim que sua produção caiu, as críticas não demoraram a surgir e o banco de reservas acabou sendo o seu destino.
No Milan, se viu uma situação semelhante quando o treinador Massimiliano Allegri preferiu optar pelo voluntarioso Boateng como trequartista a apostar no gaúcho como criador do time. Um equívoco terrível na visão deste blogueiro. Nessa função, o ganense apresenta boa chegada ao ataque e chute forte, mas é só. É de se lamentar que um time que na última década contou com meias do calibre de Boban, Rui Costa e Kaká, hoje tenha um atleta tão limitado tecnicamente naquela faixa do gramado.
Nos últimos tempos, é comum ouvirmos que determinado jogador não serve para o futebol europeu, mas pode fazer a diferença no Brasil. Logo em seguida, exemplos como Romário, Ronaldo, Adriano e Petkovic são citados sem que haja muita contestação. Nunca vi a questão dessa maneira. Para mim, antes de tudo, existe a maneira diferente do brasileiro ver futebol.
Para muitos técnicos, jornalistas e torcedores brasileiros é plenamente aceitável que um meia habilidoso ou um atacante goleador não tenha obrigações defensivas e/ou grande movimentação desde que seja capaz de criar boas jogadas ou marcar muitos gols em troca. Essa é uma cultura brasileira e, por que não dizer, sul-americana. Se está correta ou não, é outra história.
Por sua vez, não faltam casos de meias e atacantes que, apesar da técnica, sempre foram contestados pela rígida visão europeia: Valderrama, Romário, Baggio, Petkovic, Hagi, Ronaldo, Rivaldo, Riquelme, Djalminha, Alex e Robinho foram, cada um ao seu modo, criticados ou cerceados no Velho Continente.
Ainda no PSV, Romário levava o técnico Gus Hiddink à loucura graças a sua total displicência tática. Felizmente para o Baixinho, seus gols em escala industrial garantiam sua titularidade. Gols que o levaram ao Barcelona, como um pedido especial de Johan Cruyff e onde foi mantido sob controle mediante acordos com o chefe que permitiam suas noitadas em troca do balançar das redes. Talvez essa tenha sido a maior razão para Romário nunca ter sido alvo de grande cobiça do futebol italiano, destino de quase todos os craques nos anos 80 e 90.
No mesmo Barcelona em que brilhou Romário, Ronaldo também fez sua história. O Fenômeno foi um Pelé na temporada 1996/97, mas teve que ouvir do então auxiliar José Mourinho que ele deveria participar mais do jogo e não ficar à sombra de seus gols. Anos depois, ainda na Catalunha, Rivaldo enfrentou problemas com o holandês Louis van Gaal que chegou a dizer que o seu compatriota Zenden era mais jogador que o pernambucano.
O genial Roberto Baggio é um exemplo famoso de craque barrado em grandes equipes por contribuir pouco taticamente. Mesmo em seus melhores momentos havia quem o contestasse. No épico “Todos corações do mundo”, um torcedor resume bem o que muitos italianos pensavam do nativo de Caldogno: “É um grande campeão, mas é uma dama. Não corre.” Certa vez, em visita ao Brasil, o meia-atacante se defendeu: “Os técnicos de hoje preferem um jogador capaz de correr 10 km numa partida do que alguém que saiba o que fazer com a bola.”
Até algum tempo atrás, ouvia-se por estes lados pedidos de convocação para o sérvio Dejan Petkovic. Primeiro pediam para o Brasil, depois para seu próprio selecionado. O meio-campo pouco inspirado da Sérvia e Montenegro no Mundial de 2006 deu mais munição aos críticos de sua ausência. Mas uma rápida história contada por Pet dá uma ideia de como a visão europeia é diferente da nossa: “Fui bem numa das poucas chances que tive na seleção. Fiz um gol e dei uma assistência. Quando a partida terminou, perguntei para o técnico o que ele tinha achado e ouvi que eu tinha perdido bolas importantes no meio-campo. Reclamei e só fui chamado de novo num amistoso diante do Brasil.”
Petkovic é um caso emblemático do nosso futebol. Em 2009, ele dificilmente teria vaga num clube pequeno da Espanha ou da Itália, mas foi um dos pilares do título brasileiro do Flamengo naquele ano. Por sua vez, esse mesmo clube europeu deve contar em suas fileiras com algum titular que resume seu futebol a fôlego e abnegação. E receberia um lutador como o romanista Rodrigo Taddei de braços abertos. Afinal, como disse Baggio, os técnicos adoram isso.
Portanto, nunca fiz coro aos que dizem que Petkovic joga no Brasil por que o nível do futebol daqui é muito mais baixo. Historicamente, sempre houve mais liberdade para aqueles que podem decidir individualmente uma partida. Era assim com Júnior no mesmo Flamengo em 1992 e foi assim com Zico no final de sua carreira. Isso num futebol pré-Lei Bosman, quando a maior parte dos grandes jogadores brasileiros ainda fazia a festa de nossos estádios.
Trata-se de uma maneira de enxergar futebol. E, diante dos esforços dos clubes envolvidos na tentativa de trazer Ronaldinho, não resta dúvida de que ele receberá toda liberdade criativa que necessita. Além, é claro, de jogadores destacados para correr para ele.     
Crédito das imagens: Reuters (1 e 2) e O Globo (3).

7 comentários:

minicritico disse...

Brilhante, Michel. Sempre compartilhei dessa opinião: o "não servir" é relativo. São modos diferentes de se enxergar futebol: o europeu é sempre radicalmente mais exigente taticamente (e quer números, invariavelmente) e o brasileiro sempre é leniente com a displicência desde que essa seja compensada com lampejos que resolvam uma partida. Em outras palavras, os europeus muitas vezes são frios ao analisarem o esporte bretão. Os sul-americanos são como amantes, entre tapas e beijos, que sempre perdoam pequenos deslizes. Os fatores extracampo contam muito também. Afinal, se quisesse, Romário ficaria no futebol espanhol até os 38 anos, e seria respeitado como uma lenda pela torcida blaugrana. No caso de Ronaldinho, bom... acho que ele vai se sentir bem no Brasil. É um palpite até meio óbvio, mas... aqui ele terá a tal leniência que eu falei, será o centro das atenções (como era no Barça e no PSG) e estará em casa. E, embora esse arrastado leilão já fosse esperado (tivemos uma "novela" até para saber se o São Paulo contrataria ou não o Juan, porquê não teríamos com o Ronaldinho Gaúcho?), a entrevista coletiva de hoje merecidamente virou motivo de chacotas em todos os cantos. Um espetáculo bizarro que desvaloriza a imagem cada vez mais desgastada de alguém que, queiram ou não, é um ídolo.

Michel Costa disse...

É exatamente o que penso, Mini-Crítico. Agora, sobre o espetáculo bizarro que foi a coletiva de ontem, acho curioso alguns jornalistas dando a entender que Assis é o grande culpado pela repercussão e exagerada dessa "novela". Não é. Ele pode até ser o responsável pelo leilão, mas a "culpa" é da curiosidade das pessoas diante das negociações envolvendo o retorno do craque. Além disso, no fundo, acho que a mídia esportiva deveria ficar feliz por um fato como esse surgir num mês em que geralmente eles não têm muito assunto para debater. Não por acaso, os principais programas de debate da TV fechada estão de férias.

Abraços e valeu por continuar com o A4L!

Anônimo disse...

Belo texto, cara. No caso do Ronaldinho em seus últimos momentos pelo Milan. Não acho que ele, hoje, tem físico para brigar com os volantes adversários e atuar numa faixa mais central do campo. Quando Allegri jogou o 4-3-3 fora, Ronaldinho inevitavelmente foi para o banco, assim como nos tempos de Ancelotti.

Ass: Rafael Borges

Michel Costa disse...

No caso de Ronaldinho, acredito que ele vai atuar da maneira em que se sentir mais confortável no time, Rafael. Ou seja, sem obrigações defensivas e ocupando a faixa que ele julgar mais interessante em determinada partida.
No entanto, particularmente, acho que o melhor lugar para ele hoje é saindo do meio para a esquerda.
Vamos ver...

Abraços e seja bem vindo.

minicritico disse...

Uma vez A4L, sempre A4L, meu amigo!

Guilherme Siqueira disse...

Texto brilhante, mais uma vez!
Além desses eu citaria Socrates na Fiorentina e Didi no Real Madrid, onde além do boicote por parte dos líderes do time, a "preguiça" conttribuiu bastante para a sua saída.
Curiosamente Zidane jamais foi criticado por não "correr atras" dos adversários, algo que assombrou até Platini durante sua passagem pela velha senhora.

Michel Costa disse...

Se não foi criticado pelo baixo poder de marcação, Zidane também não se tornou um grande ídolo bianconero, Guilherme.
Inclusive, após sua saída, um dirigente da Juve chegou a dizer que sua passagem por Turim foi mais divertida do que eficiente. Não por acaso, o ótimo e combativo Nedved fez mais sucesso com a camisa da Vecchia Signora.

Abraços.