quinta-feira, 4 de abril de 2013

(Coloque um número grande aqui) tons de cinza

O texto abaixo foi gentilmente enviado por Felipe dos Santos Souza, colunista do site Trivela e um grande apaixonado pelo futebol holandês, o que não o impede de gostar do futebol brasileiro. Leitura mais do que recomendada...
Quem acompanha futebol por razões não profissionais sabe melhor do que os integrantes analíticos do meio (leia-se jornalistas, respeitáveis ou não): está cada vez mais chato discutir futebol com quem quer que seja. Parece que as ideias sobre respeitar opiniões diferentes, saber que nem sempre você precisa meter o bedelho em tudo que lê, e que discussões não necessariamente precisam ter um fim – afinal, não são lutas para uma ideia vencer a outra na base dos pescoções – estão cada vez menos populares.
E um dos assuntos que mais sofre desse mal é a tradicional “briga” que opõe “eurocêntricos” a “pachecos”. Infelizmente, os dois lados estão cada vez mais separados. Apagou-se a ideia de que você pode ter características de um e de outro: gostar de um determinado país e seu futebol, sem deixar de lado o que ocorre no Brasil. Mais do que isso: mantendo o respeito pelos dois lados. Ainda mais: dando-se o direito de comemorar o resultado bom de outro, sem necessariamente “torcer contra o seu país”.
Aqui, cabe citar um monte de experiências pessoais. Não sou jornalista, apenas vivi e exerci tal função em um momento da minha vida. Sequer tenho diploma (embora a obrigatoriedade dele seja discutível – mas aí é outra história, cuja discussão não é o foco desse texto). Mas posso dizer que ainda tenho leve relação com o jornalismo, como colunista de futebol holandês do site Trivela. E posso comentar algo sobre o assunto.
Quem me conhece – por mídias sociais, pessoalmente – sabe do meu fanatismo pelo futebol holandês. E gosto mesmo: acho engraçado e bacana ver como um país minúsculo colocou um estilo de jogar bola com tanta força e influência no mundo do futebol. Além disso, o país parece não levar a sério o esporte, do jeito certo. É como se dissesse ao mundo “sim, temos zagueiros ingênuos, goleadas obscenas, nosso campeonato é nivelado por baixo, não fazemos questão de ganhar campeonatos, mas de divertir nosso público com o futebol”.
O que não quer dizer que eu ache o futebol holandês de maior qualidade que o brasileiro. Longe disso. Supor algo assim estaria perto da loucura. Coloquemos em termos mais concretos: um jogo como o eletrizante Atlético-MG 3x2 Fluminense, pelo Campeonato Brasileiro do ano passado, tem maior qualidade técnica do que 95 por cento dos jogos do Campeonato Holandês. Talvez essa percentagem seja ainda maior.
Mais do que isso: no último grande momento em que essas duas escolas de futebol se cruzaram, a Copa do Mundo de 2010, eu acreditava piamente na vitória brasileira. Não porque o time de Dunga fosse exuberante tecnicamente, mas por esbanjar o que se chama “cara de campeão”, aquela autoconfiança de um time cascudo, que se sabe capaz de superar os maiores desafios na busca de um título. Como bem comentou o jornalista Raphael Zarko, blogueiro do site YouGol, era “um time de Capitães Nascimento. Todos olhavam com cara de mau e falavam ‘não vai subir ninguém’”.
O gol de Wesley Sneijder que empatou aquela partida foi muito surpreendente, reduziu toda a autoconfiança brasileira a pó. E, enfim, a Holanda superou o Brasil. Mérito dela, por ter aproveitado as oportunidades: o que há de time que fica com um jogo em suas mãos, tendo condições favoráveis como um homem a mais, e nem assim as aproveita... Mas era surpreendente. De todo modo, fiquei feliz com a vitória da Oranje. E até dei alguns socos no ar – logo eu, que pouco me manifesto em jogos de futebol (sério!).
O que não significa que eu torcesse para que o Brasil perdesse. Apenas celebrava o fato de experimentar a Holanda estando em uma situação de favoritismo rara, na história de sua seleção. E aí entra o pulo do gato: querer que uma das seleções ou times de sua preferência tenha melhor resultado que o do outro não significa que você odeia o outro.
Além disso, particularmente, ao gostar do futebol de um outro país, não me contento só com isso. No caso holandês, corri atrás de aprender o idioma, de comprar bibliografia sobre o tema, de acompanhar jogos etc. Exatamente para não cometer distorções, dizer aquelas frases horrorosas como “fulano não jogava no Guarani” ou “sicrano do Corinthians não daria certo no VVV-Venlo”, para ter uma sobriedade na análise etc.
E é preciso ressaltar: o fato de eu acompanhar com mais proximidade o Campeonato Holandês do que a maioria esmagadora dos campeonatos estaduais periféricos do Brasil não significa que eu não conheça a existência desses clubes. Não só conheço, como respeito cada clube brasileiro, suas histórias, suas torcidas. Do Corinthians ao União São João. Do Flamengo ao Mangaratibense, que atua na Série C do Campeonato Carioca. Do Internacional ao SC Gaúcho, de Passo Fundo, último colocado da Série B gaúcha.
Posso não acompanhá-los, mas respeito, de longe. E acho que qualquer mudança de calendário, qualquer readequação de campeonatos no futebol brasileiro, tem de pensar também nos envolvidos com clubes pequenos, levar em conta a importância deles – que pode não ser tanta quanto a dos grandes, mas que existe e é tão digna quanto qualquer outra. Mas também é outra história.
E a manutenção de meus vínculos com o Brasil é intacta a ponto de eu ter ficado profundamente feliz com o título mundial sub-20 conquistado pela Seleção Brasileira, em 2011. Não só pela identidade nacional, mas também por ver um bom trabalho sendo coroado com o que merecia – e que dava mostras de que poderia render ainda mais. Não rendeu, por razões que não vêm ao caso.
E mais: ao ver o momento atual da Seleção Brasileira, pelejando para se colocar numa situação minimamente sólida, minha reação é de... tristeza. É meio como se fosse ver um ente querido sofrendo com uma situação aflitiva, sem poder fazer muito para resolver isso, e torcendo para que um dia ele resolva a situação. Francamente, alguém que sinta isso pode ser chamado de “eurocêntrico”, mesmo que acompanhe o futebol holandês e tenha por ele respeito e até carinho?
Enfim, ficam aqui algumas reflexões lamuriosas de um sujeito que gostaria de ver as pessoas aceitando melhor que acompanhar o futebol de um país não significa necessariamente deixar de lado e até maldizer o futebol de outro, como pode parecer vendo o comportamento de certos jornalistas. Trocando em miúdos: entre o branco e o preto há vários tons de cinza (está na moda, né?).
Crédito da Imagem: FIFA

2 comentários:

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Muito bom texto! Vejo muitas pessoas que, quando vão criticar o futebol nacional, os estaduais principalmente, o fazem de uma forma terrível, como se aqui tudo fosse uma porcaria e que se eles mesmos (tenho certeza disso) não tivessem começado a gostar de futebol vendo o seu time jogar algum campeonato regional, que hoje muitos achincalham. Claro que temos de pensar em melhorar o calendário aqui, mas não destruindo os times menores e transformando o Brasil apenas num país de 80 times (das 4 principais divisões nacionais).

Sobre o pachequismo, não falo tanto do comportamento do torcedor, que muitas vezes não tem tempo e acesso à TV paga e à jogos de times internacionais. O problema é vermos jornalistas que deveriam se informar melhor mostrarem desconhecimento e desdém contra jogadores de fora. Mas por outro lado podemos dizer que essa má fase da seleção está fazendo muita gente cair na real de que não basta um time vestir a "amarelinha" para que ele seja melhor do que o outro. Como o Felipe disse, o meio-termo é o melhor caminho nessas análises.

Michel Costa disse...

Sem dúvida, Alexandre.
Particularmente, acredito que parte do estrangeirismo nasceu como uma reação natural ao próprio pachequismo. Brasileiros que não se conformavam com o nacionalismo exacerbado de Galvão & Cia. costumavam ter esse tipo de contrarreação. O restante ainda vive preso ao eterno complexo de vira-latas mesmo... hehe.
Falando sério, o melhor caminho é justamente o que o Felipe tão bem escreveu. Tendo sempre o futebol acima de tudo isso.