quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um depoimento importante

Existe uma corrente no Brasil que defende que o baixo público nos estádios nacionais se dá pelo desinteresse do público pelo esporte e não pela má qualidade do “produto futebol” oferecido. Para rebater essa tese, nada melhor do que o depoimento de alguém que esteve presente numa partida desta edição do Campeonato Brasileiro.
Gentilmente, meu amigo Márcio Rodrigues que esteve no estádio Bezerrão para acompanhar Atlético Goianiense x Santos pela 35ª rodada do Brasileirão 2012 enviou seu desabafo para o blog. Esse retrato dos estádios brasileiros você acompanha abaixo...
“Eu estava muito empolgado. Pelo Santos, pelo Neymar, especialmente, pelo Bezerrão (eu tinha ido três vezes ao estádio, na estreia, Brasil x Portugal, e em jogos do Brasília pela série D). Foi ruim desta vez, Michel. Muito ruim. Experiência que não pretendo repetir.
Vou relatar os fatos (problemas que afetaram a experiência de ir ao jogo) tentando qualificar o mínimo, usar poucos adjetivos. Vou fazer, se me permite, a cada ponto de comparação com a experiência que tive em estádios europeus que fui e como poderíamos mudar isso no Brasil com o pouco que conheço de gestão desportiva.
Justifico a comparação, pois sei que o amigo é reticente com estas comparações, tende a achar eurocentrismo, colonialismo, complexo, estas coisas e não é o caso:
Não sou expert em aprendizagem, neurologia, mas do pouco que sei, li e ouvi, o ser humano aprende, desenvolve o raciocínio, a memória e tal, através de processo de associação (sinapses, se não me engano). Ou seja, uma das formas de aprendizagem, de crescimento e de uso do raciocínio é a comparação, a associação de imagens, experiências, ideias, conceitos, sensações. Ou seja, este processo é normal. O ser humano faz isso a cada experiência que tem na vida. Por exemplo: quando fui ao Nordeste, conheci Pernambuco, Alagoas, etc., voltei a Brasília comparando a cordialidade e simpatia do povo nordestino com a frieza do povo de Brasília. Quando vou à Europa e experimento ir a estádios de futebol, não há como eu deixar de comparar com a experiência que tive em estádios no Brasil, que vou desde a minha infância. Esta comparação poderia ser positiva ou negativa. Calha que a realidade impõe, na maioria das vezes, que seja negativa para a realidade brasileira. Não me culpe pela nossa realidade, é o que peço. Comparar é inevitável, uso normal e lógico do cérebro. Se a comparação é extremamente negativa (como verá) não é culpa minha nem de pretenso complexo meu. Não, não tenho nenhum complexo. Aliás, o que relatarei e o que penso vão de encontro ao que você disse bem em um de seus textos: o brasileiro gosta de futebol, mas é tão maltratado nos estádios que não dá pra colocar este dado como indicador sério de gosto ou não pelo esporte.
Vamos aos fatos então, o amigo julgue por si mesmo que exagero ou erro na avaliação (e desculpe pelo longo texto):
Fui com a Cláudia e sabia que o estádio iria encher. Comprei o ingresso mais caro, das cadeiras (paguei 180 reais, pois a Cláudia possui meia. Eu me recuso, até poderia ter a carteira, mas como sou contra, tenho que ser fiel aos meus princípios). Na estreia do estádio, jogo do Brasil, fui na arquibancada, sozinho, e devo dizer que se  fora do estádio foi tudo bem desorganizado, dentro tudo correu bem, ingresso numerado, boa visão do campo, etc. Não aconteceu desta vez, como verá abaixo.
Primeiro erro, ou primeira comparação: Ingresso é um cartão magnético sem nenhuma informação da planta do estádio e dos lugares, do assento, etc. Isso, em todos os jogos que fui na Europa, é comum. Pra quê? Se o individuo não conhece o estádio (e eu não me lembrava de nada do Bezerrão) ele possui as informações básicas no próprio ingresso. Tive que perguntar para os guardas na porta do estádio onde ficava a minha entrada, onde deveria parar... Ok, nada de grave porém.
Chegamos duas horas antes. Tenho esse ritual desde criança. A nossa entrada era uma grande escadaria que dava pra um portão fechado. Estava cheio de gente, maioria crianças e pais, e chegando mais gente. Até que todo mundo começou a se amontoar, foi ficando apertado e torci pra não chover. O portão não se abria! Abriu depois de 58 minutos e voltou a fechar rapidamente. Algum erro ocorreu. Abriu uns 10 minutos depois.
Segundo erro, segunda comparação: Nos estádios europeus que fui o portão era aberto bem antes e por quê? As pessoas entravam e no estádio mesmo há loja do clube, bares e restaurantes (tipo praça de alimentação de shopping) para o publico consumir e dar grana pro clube. Não há confusão, fila, amontoado de gente se espremendo, também, porque o ingresso é numerado. Essa coisa básica e que aqui muitos chamam de “coisa de coxinha”.
Enfim, entramos. Após o portão, havia uma entrada à direita e outra mais central/direita no fundo. Uma multidão. Nenhuma placa, sinal ou pessoa pra informar aos torcedores onde era cadeira e onde era arquibancada oeste. Uma confusão. Os guardas não sabiam de nada. Fui para a entrada do centro/direita com a Cláudia. Esperamos chegar perto das catracas pra perguntar enfim aos atendentes. Responderam que cadeira era do outro lado. Lá se vão Cláudia, eu e um monte de gente voltando e encarando uma multidão. Da mesma forma, do outro lado, um monte de gente que não sabia onde ficava o seu setor, voltava das cadeiras rumo à entrada da arquibancada. Uma confusão e, pior, cheio de crianças. Abracei a Cláudia e fui evitando que ela levasse cotovelada e tal. Só eu levei. Ainda ajudei um senhor a se levantar e pegar a carteira de identidade no chão. Ele iria entrar sem ingresso, pois é idoso e a lei permite. Outro problema, causado por leis demagógicas, pois não se controla assim o numero e fluxo de pessoas, segurança... Você verá.
Logo, Terceiro problema, terceira comparação: Enfim entramos no nosso setor. Percebi, logo, que haviam vendidos mais ingresso nas cadeiras (de maior valor) que lugares existentes, pelo grande fluxo de pessoas em pé, pessoas sentadas nas escadas, etc. Os ingressos eram numerados mas eu já sabia e havia dito à Cláudia que ninguém respeitaria e não havia ninguém da (des)organização do evento pra se  fazer respeitar.
Achei dois lugares na quinta fileira, de baixo pra cima, em um dos setores das cadeiras. Outro problema: havia uma grade que separava as cadeiras da parte de baixo, que cobria a visão de pelo menos seis fileiras. No meu, caso, cobria  a visão de quase metade do gramado. Erro de planejamento. Outro problema: pelo excesso de ingresso, e falta de educação das pessoas em alguns casos, começou um amontoado e gente a ficar em pé nas grades, atrapalhando mais ainda a visão das pessoas sentadas. A Polícia Militar teve que intervir pra retirar todas essas pessoas (e nesse período, que durou uns vinte minutos e pegou uns cinco minutos do jogo, houve muita confusão e xingamento. Você pode imaginar).
Quarto e quinto problemas: Sobre venda de ingresso e planejamento errado do estádio.
Depois de tudo isso, consegui ver parte do jogo, isto é, quando a bola caia no meio pro outro lado do gramado, de onde eu estava sentado. No intervalo, não havia nenhuma promoção, nenhum sorteio (como não é costume no Brasil e eu e a Cláudia não podíamos sair do lugar (nem ninguém, aliás) para ir ao banheiro ou lanchar (se é que havia) pelo risco de perder lugar. Fiquei com muita pena: Muita gente, crianças especialmente, sentadas nas escadas, nas primeiras fileiras, encostadas nas grades, sem ver direito o jogo ou ver nada. Não estavam no meu setor ou próximas, se não levantaria pra abrir lugar.
Sexto problema: Falta de ingresso numerado. O ingresso numerado permite uma série de confortos ao torcedor-consumidor e ao clube: desde poder chegar mais tarde ao evento, até poder sair do lugar no intervalo, até ser sorteado em alguma promoção no intervalo, ser identificado pela segurança do evento em caso de fazer algo errado, ou esquecer objeto pessoal, etc. É isso que os Lúcios de Castros e Mauros não enxergam com aquele discurso imbecil de “ódio ao futebol moderno” e “a cultura do brasileiro é ver jogo em pé” e o discurso do “coxinha”. Ingresso numerado é questão de comodidade, segurança,dentre outras vantagens. È como discutir se pontos corridos é melhor para um evento, do ponto de vista comercial e estratégico. O Santos, por exemplo, poderia ter sorteado uma camisa autografada do Neymar usando a numeração do estádio, ou alguma criança pra bater pênalti no intervalo, este tipo de coisa. O Botafogo do Bebeto de Freitas fazia isso em Niterói.
Apensar disso, acho até que voltaria, mas a Cláudia não. Eu sou doente por futebol, a Cláudia e a maioria das pessoas ali, não são. Esse é o problema. Aliás, sinceramente, logo depois do jogo fiquei pensando seriamente em não ir a nenhum jogo da Copa aqui, ou na estreia do Brasil na Copa das Confederações aqui, caso eu seja sorteado no site da FIFA (me inscrevi). A sensação, a experiência é ruim pra quem conhece eventos de futebol mais bem organizados. Não só de futebol, aliás. No Brasil, cinema, teatro, é tudo bem organizado.
Mas quando eu passo perto do Estádio Nacional em obras, e faço isso quase todo dia, me arrepia: “Imagina na copa!” sim, o “imagina na copa” cabe, dependendo do contexto, e pode ser positivo, não só negativo.”

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