sábado, 16 de fevereiro de 2013

Pontos e Vírgulas.

Coluna destinada a comentar as opiniões emitidas pelo órgão responsável pela chegada de informações ao público aficionado por futebol: a imprensa esportiva. Afinal, bem ou mal, é através dela que tomamos conhecimento de (quase) tudo o que cerca o mundo da bola.
Atraso
É muito comum ouvirmos sobre o atraso do futebol brasileiro dentro e fora de campo. Das quatro linhas, comenta-se sobre a pouca compactação das equipes, excesso de faltas, jogadores unidimensionais e do péssimo hábito de cavar faltas. Fora dos gramados, os alvos são os técnicos desatualizados e arrogantes, os cartolas corruptos e/ou amadores e a violências das torcidas organizadas.
Todavia, raramente se comenta sobre as deficiências da imprensa esportiva que cobre o futebol. Na última sexta-feira, o técnico do Flamengo, Dorival Júnior, tocou na ferida em participação no programa “Redação Sportv”: “Está na hora de começarmos a mexer no futebol. Nos aproximarmos um pouco mais. A imprensa tem que tomar uma postura diferente.” Perguntado pelo apresentador André Rizek sobre que postura seria, Dorival completou: “Nós temos que passar um pouco mais daquilo que é o trabalho dentro de uma equipe. E isso não acontece. A verdade é que o trabalho do treinador é colocado à prova às quartas e domingos, apenas isso. A imprensa só analisa o resultado e a substituição.”
Com as honrosas exceções de sempre, é exatamente isso o que acontece. Quase todos os comentários se baseiam nos resultados, nas alterações promovidas pelos treinadores e nos erros de arbitragem. Como costuma dizer o colunista e ex-jogador Tostão, o futebol é complexo e imprevisível demais para ser tratado como uma ciência exata ou tomando como base apenas seus momentos decisivos. São raros os profissionais capazes de enxergar as nuances do jogo. A grande maioria abraça uma coleção de clichês e a leva a toda parte, adequando o que está vendo em campo com o que acredita ser o certo.
Outra prova de atraso e, por que não dizer, mau-caratismo são as matérias exageradas, com polêmicas fabricadas ou mentirosas. Nesta semana, Gilson Kleina, técnico do Palmeiras, foi o alvo da vez quando citou a seleção de Burkina Faso como exemplo de equipe que não era favorita numa competição – no caso a Copa Africana de Nações – e chegou à final para dizer que o mesmo poderia acontecer com seu time na disputa da Copa Libertadores. Bastou essa observação para o treinador ser objeto de críticas como se estivesse chamando de pequeno o clube de Palestra Itália. Na verdade, não houve inspiração nenhuma e nem comparação entre o time oito vezes campeão brasileiro e o pequeno selecionado, mas uma comparação entre as situações vividas no momento. Foi lamentável ter de ouvir Kleina se explicando por algo que não disse.     
Na quinta-feira, Vanderlei Luxemburgo também foi atingido por críticas pesadas após a estreia com derrota do Grêmio na mesma Libertadores. Além das chacotas tradicionais, o fato de o time gaúcho estar em formação foi praticamente ignorado e a situação na competição dada quase como acabada com apenas uma partida. Outros “analistas” ainda foram mais longe, colocando em xeque o favoritismo das outras equipes nacionais – algo que se construiu através do bom desempenho ao longo dos anos e do maior poderio financeiro – como se houvesse a mínima ligação entre times distintos.
Precisamos evoluir também nesse sentido. Entender que o jornalismo esportivo deveria se pautar nas informações, estatísticas, na história e menos no achismo e nas preferências pessoais. Constatar as mazelas dos profissionais do futebol não é difícil. Bem mais complicado é reconhecer os próprios problemas. E neste campo o jornalismo está tão atraso quanto o restante.   
Imagem: Ale Cabral - Lancenet

4 comentários:

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Ótimo texto, boa relação de temas em que você mostra que a imprensa esportiva parece gostar de ser tachada de limitada, pois de fato não se aprofunda em muitos temas. A questão levantada pelo Dorival é muito pertinente; sobre o caso do Kleina aí vejo um problema geral da mídia, que é de querer quase sempre buscar uma manchete sensacionalista, que em muitos casos não representa o que quer ser passado pela matéria em si; no caso do Luxemburgo, existe claro uma pré-disposição de parte da mídia, contra tudo que ele faz, ainda que na questão do estádio, vejo uma falta de planejamento por parte do Grêmio em conjunto com sua comissão técnica para saber se o campo tinha ou não condições boas em seu gramado. Nesse caso também existiu o preconceito contra o Huachipato, por ter um nome diferente e por ser um time mais desconhecido, o que passa a impressão que a derrota do Grêmio foi um vexame total, sendo que muitos nem se preocuparam em ver que era o atual campeão chileno.

Fico preocupado se o futuro da mídia esportiva será esse, superficialidade aliada com coisinhas "engraçadas", apenas entretenimento, com pouco espaço para aprofundamento em várias questões.

Michel Costa disse...

Não citei no texto, mas nesta semana houve outro episódio em que parte da imprensa mostrou todo seu imediatismo e incoerência. Após a derrota do Brasil para a Inglaterra e a vitória do PSG sobre o Valencia, Neymar e Lucas quase "trocaram de patamar" na visão de alguns. Bastou o ex-são-paulino se encaixar bem no 4-4-2 de Ancelotti para que se tornasse um jogador pronto, enquanto o santista parecia ser visto como o menininho mimado que só joga contra pequenos times do interior de São Paulo. Nem parecia que o meia há menos de um ano era criticado por não saber nem como gostava de atuar e que me fez escrever um post falando sobre a maneira injusta como era cobrado.

Outro episódio igualmente irritante foi a ênfase dada à fraca marcação de Ganso a Ronaldinho. Em primeiro lugar, tenho certeza absoluta que se o camisa 8 marca aquele gol ninguém falaria no outro lance. Curiosamente, me lembrei de um lance bem parecido num MIlan x Manchester em que o gaúcho desiste de correr atrás de Gary Neville e o United acaba marcando um gol após cruzamento do lateral.
Isso só mostra como muitos analistas se prendem a lances isolados para construir suas "profundas" teses. Algo que Dorival Júnior polidamente quis dizer em seu comentário no Redação, embora eu acredite que poucos tenham ouvido.

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Lembro do seu post e realmente o Lucas melhorou de um ano para cá, a Sul-Americana fez bem para ele no amadurecimento dentro de campo, mas daí a querer elevarem ele a um patamar maior do que o do Neymar por uma partida na Champions é um exagero realmente; vi até na ESPN dizerem que o Lucas hoje é mais "reconhecido" por já estar na Europa, o que é algo bem relativo, além de que os estilos de jogo dos 2 são bem diferentes.

Sobre o lance do Ganso realmente achei que ele larga a marcação (até estava no estádio e o passe que ele erra na entrada da área dá início à jogada do Ronaldinho), mas é bom lembrar que a função de marcar ali não era só dele. E com certeza se ele faz o gol no final ninguém lembraria desse lance, colocariam mais a culpa no Wellington.

Michel Costa disse...

Ganso dificilmente se tornará um meio-campista completo. Mas ainda acredito que, em plena forma, o camisa 8 poderá ser bem mais efetivo em campo. Foi essa dinâmica que o ex-santista perdeu após a sequência de lesões. Antes delas, choviam elogios e muitos diziam que ele era melhor do que Neymar à época.
De qualquer modo, não duvido que os mesmos que criticaram ontem elogiarão amanhã mesmo que a melhora não seja tão grande. Não seria a primeira vez.