sábado, 22 de setembro de 2012

Futebol também é entretenimento

De uns tempos para cá, tornou-se lugar comum dizer que brasileiro não gosta de futebol como outros povos baseando o raciocínio exclusivamente na baixa média de público do campeonato nacional. Afinal, se as torcidas não enchem os estádios, significa que não se importam com futebol, certo? Errado. Brasileiro continua se importando com futebol do mesmo jeito, mas não se sujeita a qualquer coisa para ver seu time em campo se existem outras maneiras de fazê-lo.
A tese do desinteresse começa a cair por terra à medida que alguns fatos são expostos. Primeiro, a audiência do futebol continua alta como sempre foi. Atualmente, os clubes brasileiros recebem quantias recordes de direitos televisivos pelo simples motivo de que há um grande público interessado no evento. A TV por assinatura está cada vez mais presente em lares e pontos comerciais e não faltam canais interessados em adquirir os direitos. Sem falar na infinidade de rádios, jornais e sites que sobrevivem do interesse das pessoas por esse esporte.
Segundo, o preço dos ingressos. São poucos os corajosos capazes de gastar mais de cem reais (entre ingresso, transporte e alimentação) para assistir a uma partida sem nenhum tipo de conforto e ainda correndo sério risco de sofrer algum tipo de violência no trajeto ou mesmo dentro das dependências do estádio. Hoje, ir a um jogo é muito mais uma aventura do que um bom programa. Mesmo assim, basta haver redução no valor do ingresso para que o número de torcedores suba consideravelmente. Ou seja, se o valor cobrado for condizente com o que a pessoa recebe em troca, as chances de o público corresponder à redução do preço aumentam consideravelmente.
Terceiro, campeonatos como o alemão e o inglês apresentavam médias de público mais baixas quando não ofereciam as ótimas condições de hoje. No começo dos anos 1990, a média de público do campeonato inglês oscilava um pouco acima da casa dos 20 mil pagantes. A violência dos hooligans e a má conservação dos estádios estavam entre os principais entraves. Agora, com a Premier League, exemplo de organização, a liga britânica é a segunda no ranking europeu em frequência e a primeira em arrecadação. Ao mesmo tempo, a Serie A italiana sofre com a perda de público no momento em que o país atravessa uma séria crise financeira, com estádios obsoletos e êxodo de craques. Isso não é coincidência.
Embora sua natureza seja diferente de um entretenimento como cinema ou teatro, futebol também é um produto. Enquanto nossa cartolagem não entender que o futebol precisa ser comercializado, nada vai mudar. Quando as pessoas pagam por uma coisa, querem sentir que a quantia despendida está sendo bem gasta. Pagar caro por um espetáculo de qualidade duvidosa, sem conforto e correndo riscos de segurança não parece algo muito inteligente. É bem mais seguro e tranquilo assinar um pacote pay-per-view buscando o refúgio do próprio lar ou encontrar os amigos num bar. Amor ao time? Para os mais sensatos, ele vem abaixo do amor ao bolso e à própria segurança. Não sou capaz de tirar-lhes a razão.

4 comentários:

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Acho que são duas coisas diferentes: o brasileiro não vai tanto no estádio principalmente pelos fatores que você citou: falta de transporte público decente combinado a um horário de jogo ridículo à noite, preço dos ingressos, falta de condições dos estádios, maiores opções de ver a partida pela TV, outras formas de lazer, concordo com tudo isso.

Só acho que a crítica ao torcedor brasileiro cabe em alguns casos pela falta de apoio ao time durante o campeonato; se o time está fazendo uma campanha mediana, normalmente a torcida o abandona e a média de público cai sensivelmente; durante os jogos, se passam 15 minutos sem sair um gol o torcedor já começa a vaiar; com duas derrotas já começa o terrorismo contra o treinador (muitas vezes insulflado pela imprensa); tudo isso mostra para mim que o torcedor brasileiro não aprecia o futebol como um todo, como os torcedores dos outros países fazem; criou-se aqui um clima de que só a vitória, se isso não acontecer tudo não presta; isso só muda se o time cai para a segunda divisão, que foi descoberta depois da queda do Fluminense; aí, como se chegou "no fundo do poço" (também a imprensa gosta de falar assim sobre a queda), a maioria dos torcedores volta a carregar o time, coisa que não acontece frequentemente.

Michel Costa disse...

Acho que são questões diferentes, Alexandre. No post, critico a associação entre público nos estádios com o gosto do brasileiro pelo futebol. A forma de torcer, como você cita, seria uma outra questão e que também é vista noutros países. O Milan, por exemplo, teve uma queda absurda de público por causa da fase que atravessa. No meio da semana, em partida contra o Anderlecht, havia pouco mais de 20 mil pessoas, público incomum até em jogos de Coppa Italia. Há quatro anos, quando o United atravessava seu auge, havia uma fila de espera imensa para comprar cadeira cativas em Old Trafford. Ano passado, com um time inferior e muito contestado, a procura caiu sensivelmente.
Pra mim, a frequência também está ligada à expectativa gerada pela equipe. Quanto maior a expectativa, maior a cobrança por resultados. Não sei se essa é a atitude mais nobre dos torcedores, mas, para mim, o mecanismo funciona mais ou menos dessa forma.

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Acho que a expectativa frustrada realmente causa essa diminuição de modo geral Michel; só acho que aqui não existe uma cultura de se ir ao estádio em toda e qualquer situação como existe na europa e o imediatismo de resultados ajuda a isso acontecer.

Michel Costa disse...

Concordo, Alexandre. E é aí que entra algo que eu não expliquei no post. É preciso criar essa cultura, estabelecer o hábito de ir ao estádio. No Brasil, a ideia geral é que o torcedor irá aos jogos de seu time simplesmente porque é apaixonado por ele ou porque determinada partida é decisiva. Mas não é assim que deveria funcionar. Apesar de lidar com uma clientela diferente do comum, o futebol também precisa atrair seus clientes ao estádio. Todavia, são poucos os clubes que se movimentam nesse sentido. Programas de sócio-torcedor são interessantes, mas não podem ser tratados como uma ação isolada sem nenhuma contrapartida a não ser ingresso mais barato. Por essas e outras, acredito que o País está pelo menos 20 anos atrasado em relação a outras grandes ligas e, pelo que vejo de nossos dirigentes, isso não deve mudar tão cedo.