domingo, 5 de outubro de 2014

Transição e renovação

Não existe fórmula exata para se promover a renovação de uma seleção. Cada treinador adota as medidas que julga necessárias de acordo com as circunstâncias e suas convicções. Além disso, antes mesmo de se pensar em renovação, é preciso promover a transição entre gerações para que não haja uma lacuna entre jogadores jovens e experientes. Em 2002, Parreira teve a paciência necessária para incorporar novos talentos ao grupo pentacampeão, mas errou ao não identificar focos de desinteresse nas grandes estrelas antes do Mundial de 2006. Em seguida, Dunga respondeu forte ao pedir comprometimento, porém, falhou ao se apegar demasiadamente aos atletas que lhe deram suporte durante a trajetória até a África do Sul. Por sua vez, Mano Menezes cometeu o pecado de romper com tudo o que seu antecessor havia feito, apostou na juventude e caiu sem encontrar seu time ideal.
Quanto a Felipão, sua chegada sempre foi mais uma medida política e uma tentativa de recolocar a Seleção Brasileira nos trilhos do que uma decisão estratégica. Embora não possa ser responsabilizado por tudo o que ocorreu na última Copa, ficou evidente logo no início do torneio que a fórmula da vontade acima da organização dificilmente vingaria no futebol atual. Por seu estilo aguerrido dentro e fora de campo, muitos acreditam que Dunga reza a mesma cartilha, todavia, sua primeira passagem foi marcada muito mais pelo pragmatismo do que por um estilo “vamo-que-vamo”. Sua Seleção poderia ser criticada pela falta de ideias, não pela falta de organização. De certo modo, seu estilo pode ser comparado ao do argentino Diego Simeone. O que não é, necessariamente, um elogio.
Dunga é um obcecado por vitórias. Em seu dicionário, jogar bem é vencer e marcar época significa conquistar títulos. Talvez por isso não entenda por que a Seleção de 1982 é adorada mesmo sem ter vencido nada. Deste modo, não surpreende a iniciativa de trazer de volta à pauta jogadores que dificilmente chegarão com fôlego a 2018. A presença de nomes como Maicon, Elias, Robinho e agora Kaká nas duas primeiras convocações indica que a preocupação com o presente é grande. Embora não tenha deixado nada explícito, Dunga quer espantar logo o fantasma dos 7 x 1. Não por acaso, levará o que tem de melhor para pegar a Argentina e sinalizou positivamente para futuros amistosos contra a Alemanha.
Mesmo diante dessa constatação, a iniciativa chama a atenção. Aos 32 anos e com passagem marcada para defender o Orlando City, é pouco provável que Kaká siga como um atleta de nível de Seleção por muito tempo. Bem mais jovem e vivendo boa fase, Ganso seria uma opção que faria mais sentido tanto pela idade quanto por suas características. Neste momento, o Brasil não tem nenhum meia capaz de cadenciar o jogo. Mesmo que o time idealizado por Dunga não tenha como objetivo reter mais a bola, não deixa de ser interessante ter alguém como o são-paulino como alternativa.
Paralelamente, também existe a percepção de que o radar da comissão técnica segue atento a novos valores. Chamado preventivamente por causa da lesão de Jefferson, o goleiro Marcelo Grohe vem se apresentando em grande forma no Grêmio. Convocados depois dos cortes de Marquinhos, Ramires e Fernandinho, o zagueiro Juan Jesus e os volantes Souza e Rômulo fazem parte de um perfil de renovação. Apesar de Juan ser um defensor não mais que razoável, Souza e Rômulo são opções bastante auspiciosas do comandante brasileiro, uma vez que são exemplos típicos de volantes capazes de marcar e atacar com eficiência, seguindo a tendência mundial. O que indica que, além do momento, Dunga também olha para o futuro.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Getty Images

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