quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Ecos de Yokohama

Nos últimos dias, li e ouvi muita coisa sobre a final da Copa do Mundo de Clubes da FIFA. A maioria, como era de se esperar, descartável. Entretanto, a derrota imposta ao Santos pelo Barcelona ainda ecoará por um bom tempo. Diante disso, decidi reunir neste post o que julguei ser mais interessante para nosso debate:
A Repercussão – Mal comparando, o massacre sofrido pelo time da Vila teve impacto no Brasil semelhante ao que os ingleses sofreram ao serem goleados em casa pela Hungria por 6x3 em 1953. Obviamente, os contextos são diferentes. Naquela época, os inventores do futebol mal conheciam seu rival, enquanto hoje, os jogos do Barça estão perfeitamente acessíveis.
Além disso, creio que nem o santista mais fanático considerava seu time favorito diante do campeão europeu. A surpresa está na maneira como a final foi disputada. Ou melhor, como não foi disputada. Praticamente não houve jogo. Foi uma aula de futebol, como bem descreveu Neymar. O mínimo que se esperava de uma equipe comandada por Muricy Ramalho era que houvesse um trabalho mais duro de marcação e de ocupação de espaços. Em vez disso, o que se viu foi um time atônito diante de um adversário infinitamente superior. Foi um choque inevitável, até para quem não se ilude com discursos ufanistas.
A Reflexão – O debate sobre a negligenciação da técnica no futebol brasileiro não é novo, mas voltou à tona após a final mundial e foi amplificado pelas palavras do técnico Pep Guardiola declarando que o toque de bola barcelonista é o mesmo que seu pai e seu avô diziam sobre o nosso futebol. Na verdade, o toque de bola do Barça tem raízes muito mais holandesas do que brasileiras, embora este aspecto de nossa escola tenha perdido espaço nos últimos tempos em relação aos trabalhos de força e velocidade. Todavia, é impossível não constatar a falência conceitual sofrida por técnicos como Muricy, Celso Roth e outros. O futebol mais corrido do que pensado, os duelos individuais, o jogo nos erros do adversário e a exploração desmedida da bola aérea sofreu sua derrota mais categórica.
Os Equívocos – Entre as principais bobagens ditas após o fiasco santista, talvez a pior seja de autoria de seu próprio treinador. Após o mundo assistir a mais uma exibição do fantástico tiki-taka blaugrana, Muricy, do auto de sua arrogância, preferiu falar sobre os três zagueiros e o ataque sem um ponto de referência. De quebra, aproveitou para cutucar a imprensa, como se esta tivesse alguma coisa a ver com o vareio que acabara de acontecer.
Outro equívoco recorrente está na abordagem que trata do desenvolvimento técnico dos atletas sem tocar o aspecto coletivo, característica mais marcante do admirado estilo do Barça. Por último, mas não menos importante, está o clichê de que para o Barcelona é vitória não é o mais importante. Claro que é. Não só para o Barça, mas para qualquer time profissional. Acontece que lá se entende que a melhor maneira para chegar à vitória é jogar bem, algo que no Brasil parece ser visto como coisas excludentes.
A Conclusão – Não tenho dúvidas de que os conceitos de futebol no Brasil estão mudando. Antes do Mundial de Clubes, as derrotas na Copa da África e o mau momento da Seleção já tinham acendido o alerta. Nomes como Carlos Alberto Parreira, Mano Menezes e outros já falavam da formação dos nossos jogadores, de imposição de jogo e de como estamos atrasados em termos táticos. O que aconteceu em Yokohama talvez tenha servido como epitáfio de um conceito de futebol ultrapassado. No entanto, desconfio que suas viúvas continuarão vivas por um bom tempo.

4 comentários:

Thiago Ribeiro disse...

Texto FANTÁSTICO!!!!

dos muitos que eu li, um dos melhores (o do zonal marking também é muito bom)!

eu mesmo escrevi um...

mas sua abordagem, como sempre, foi perfeita.

Muricy não jogou mais o brasileirão para jogar com tudo esta "final", e acabou por não jogá-la...

é triste... muito triste...

Michel Costa disse...

Muito obrigado, Thiago.
Sobre o Muricy, o que mais me incomodou foi a arrogância - em todos os sentidos - do técnico. Chegou falando que Guardiola não merecia um 10, completou sem reconhecer que o seu time não sabia o que fazer com a bola e, de quebra, ainda teve a cara-de-pau de cutucar a imprensa.
Foi dose. No fim, uma derrota mais do que merecida.

Abraço.

Marcus Buiatti disse...

O texto é excelente.

Queria apenas acrecentar algo a uma parte dele, quando vc fala sobre "resultado". Com toda razão o texto afirma: todo clube tem como objetivo final vencer, ganhar, inclusive o Barcelona.

Mas há sim uma diferença na forma como cada escola de futebol (e não falo necessariamente de países, mas de escolas como a Menottista x Bilrdista na Argentina, a italiana clássica x a italiana de Sacchi, a holandesa, etc) analisa e valora o resultado.

No Brasil, infelizmente, há muito tempo, predomina uma forma de analisar futebol completamente atrelada ao resultado e imediatista. Tipicamente italiana.

Vou dar um único exemplo, poderia citar uns 4 milhões...a seleção sub 20 ganhou o mundial da categoria jogando coletivamente de forma muito pobre, pro meu gosto.

Só li elogios, gente dizendo que o futebol brasileiro continuava a ser o melhor, e coisas deste tipo. Houve raras exceções, gente qualificada que questionou o mais importante (por ser mais duradouro e mais relevante para a construção de times vencedores, escola vencedora, não apenas UM TIME vencedor): COMO ganhamos? De QUE FORMA ganhamos?

Dentre as exceções, claro, este blog do Michel que, imediatamente após o título questionava a FORMA como se deu. A Espanha mostrou mais futebol que o Brasil, apesar da derrota, por exemplo. Mas isso passou batido pra maioria.

Enquanto pensarmos assim, não caminharemos pra frente.

Precisou o Santos tomar um baile do Barcelona e PERDER para se questionar a forma como o futebol vem sendo praticado por nosso grandes clubes. Na minha opinião, isso deveria estar sendo questionado desde há muito tempo, por exemplo, quando o HORRÍVEL São Paulo de Muricy foi tricampeão com marcação, bola parada e bolas altas como grandes trunfos (eu sou são paulino, antes que alguém caia na besteira de mencionar clubismo...).

Se o Santos tivesse vencido o Barcelona, como ocorreu com o Inter, ninguém estaria questionando a forma, o estágio do nosso futebol e estariam se auto iludindo novamente.

Agora mesmo o Corinthians foi campeão jogando um futebol sofrível na última parte do campeonato. Não li NADA questionando isso.

Por isso sou pessimista. Embora, quem saiba a lição do Barcelona sirva pelo menos para mexer com alguma estrutura na base...


Abs!

Michel Costa disse...

Tem toda a razão, Marcus. Nosso futebol, sobretudo dos clubes, vive exclusivamente em função do resultado. Aqui, todos os técnicos trabalham com a corda no pescoço, os projetos são de curtíssimo prazo. Talvez por isso, os profissionais começaram a pensar dentro de períodos curtos, sem implantar nada que demande tempo ou muitos treinamentos. Mas, isso não passa de palpite deste blogueiro.

Abraço.