terça-feira, 16 de agosto de 2011

A crise é técnica.

O jogaço entre Brasil e Espanha pelas quartas-de-final do Mundial Sub-20 ainda ecoa. Não pelo resultado em si – a Seleção venceu nos pênaltis após empatar por 2x2 em 120 minutos – mas pela maneira como a partida se desenrolou. Fazendo uso do toque de bola que vem caracterizando sua escola, os jovens espanhóis empurraram o time de Ney Franco para o campo de defesa e obrigaram o Brasil a viver se contra-ataques fortuitos.
Deve ter sido um choque para muita gente ver aquilo. Uma Seleção Brasileira (mesmo que de novos) sendo sufocada pelo toque de bola de uma escola que até pouco tempo atrás buscava espaço no segundo escalão do futebol mundial é demais para a cabeça de quem acha que só aqui existe futebol.   
A verdade é que as coisas mudaram. A Espanha tem agora o modelo de jogo mais eficiente do mundo, baseado na técnica e na troca de passes. Apoiada nesse estilo, a Fúria decidiu deixar de ser touro para ser toureiro. Como resultado, ostenta atualmente os títulos europeu e mundial, além de diversas conquistas em categorias de base.
É verdade que no final das contas o classificado foi o Brasil, mas aquela partida deixou alguns questionamentos no ar. Ontem, no programa Linha de Passe da ESPN Brasil, o comentarista Mauro Cezar Pereira iniciou esse assunto e culpou a CBF pela ausência de uma escola brasileira e um melhor trabalho de base. Por sua vez, Paulo Vinícius Coelho lembrou que historicamente o Brasil nunca teve um estilo único de trabalho e que as coisas mudavam de acordo com os resultados. Disse ainda que vivemos uma crise por termos jogadores de muita potência física e menos cérebro quando comparados aos craques do passado. Por fim, Fernando Calazans finalmente justificou sua presença após anos no programa e afirmou as diferenças entre a antiga forma como se jogava futebol no Brasil e a maneira como a Espanha o pratica hoje. Para o colunista de O Globo, o futebol tupiniquim era baseado no toque de bola sim, porém, de maneira mais vertical do que os espanhóis o fazem. A título de comprovação, citou as seleções de 58, 70 e 82.
Antes de qualquer análise é preciso contextualizar os fatos. Falar em culpa da CBF nesse caso me parece um pensamento estreito. Sobram defeitos na entidade e listá-los aqui esgotaria o post. Entretanto, a questão da formação de atletas num país de território continental como o nosso não pode ser centralizada dessa forma. Até mesmo a maneira como o futebol é visto em nossos estados é diferente. Para ficar num único exemplo, o entendimento de jogo dos cariocas é bem diferente de como os gaúchos veem.
Deste modo, melhor voltar o foco principal para os clubes que são os reais formadores de atletas. Para começo de conversa, ninguém joga para perder. Se o trabalho é feito para formar jogadores altos, rápidos e fortes fisicamente é porque se acredita que aquilo é o mais certo a se fazer. São frequentes os relatos de garotos dispensados de clubes por serem baixos demais ou frágeis demais. Nesse cenário, o talento com a bola parece ficar em segundo plano. Na base, querem que os meninos estejam prontos para vencer desde cedo e se esquecem que o principal objetivo das categorias menores é formar bons jogadores.  
A partir daí é possível falar em participação da CBF. Certa vez, Carlos Alberto Parreira propôs a criação de uma escola nacional de técnicos. Uma instituição formadora de profissionais do esporte e voltada para a capacitação de novos treinadores e preparadores físicos com o objetivo de padronizar os métodos de trabalho no futebol brasileiro. Difícil não ver uma iniciativa dessas com bons olhos, mas é preciso respeito às características regionais de nosso país. É a mistura de estilos e etnias que nos faz tão singulares dentro e fora dos gramados. Ficando no exemplo anterior, é essa mescla que produz um jogador firme e implacável como Dunga atuando simultaneamente com a excelência técnica quase indolente de Romário.    
Respeitando essas diferenças é hora de buscar o cerne da questão. Para este blogueiro, ela se encontra no esgotamento do atual estilo brasileiro. De 1970 a 1994, o Brasil procurou um jeito de vencer. Só reencontramos o caminho das vitórias quando unimos a força e a tática europeia aos atributos genuinamente nacionais como a habilidade e a capacidade de improviso. Não por acaso, nossa seleção e nossos clubes viveram a partir da década de 1990 um período de conquistas praticamente tão vitorioso quanto o das gerações de 1950 e 1960.
No entanto, o mantra “igualar-a-pegada-e-deixar-a-técnica-fazer-a-diferença” dá sinais de falência. Sem fugir do clichê, não existe mais bobo no futebol. Selecionados que antes eram meros sparrings agora se fecham como ostras e contra-atacam de forma eficiente e ordenada. Em resumo, a distância diminuiu. Agora a busca por um novo caminho de vitórias passa pelo reencontro com o velho estilo brasileiro, técnico e habilidoso, mas sem desconectá-lo do rigor tático e da potência física. Entender o que está acontecendo é o primeiro passo para encontrar uma saída.
Imagem: Reuters

9 comentários:

Bianor Aranha disse...

Nao estou muito convencido que o problema eh tecnico, concordo que nao temos mais AQUELE jogador que decide todos os jogos, o chamado World Class (Ainda, jaja um aparece), mas temos muitos bons jogadores em todas as posiçoes, talvez pequemos um pouco no centroavante (mas no futebol de hoje, ele ja nao eh TAO imprescindivel). Talvez o problema passe por todos esses citados. Problemas quanto a organizaçao, a base buscando em sua maioria jogadores forte em detrimento a jogadores de tecnica (nao excluindo o fato que as duas coisas nao possam aparecer juntas), enfim, nao acho que seja tao simples e que possamos resumir tudo em um so problema, acredito que seja o somatorio de varios fatores.

Excelente blog, sempre o leio, mas acho q essa eh a primeira vez que comento algo.

Michel Costa disse...

Olá, Bianor.

Quando falo em crise técnica, não falo da Seleção Brasileira em si, mas de como estamos formando jogadores no Brasil hoje. Como você mesmo escreveu, é possível reunir técnica e força no mesmo atleta e acrescento que isso seria o ideal. Porém, não é isso que temos visto em nossas categorias de base e nos times profissionais. Grande parte dos treinadores atuais só pensa em armar os times para marcar, para a bola parada defensiva e ofensiva e se preocupa pouco com a essência do jogo. Creio que Celso Roth é o maior exemplo disso.
Enquanto isso, a Espanha trabalha firme na construção e manutenção de uma escola baseada no toque de bola (não digo aqui que deveríamos fazer exatamente o mesmo) sem descuidar do trabalho defensivo. É nesse ponto que quero chegar.

Abraço e obrigado pela participação.

Leonardo Prado disse...

tenho medo desse Oscar. aqui na província todos sabem que ele e o damião são o que segura o "envelhecido e superado" elenco do inter. esse oscar me da muita preocupação Michel, e domingo tem inter e flamengo no beira rio, primeiro jogo do ronaldinho carioca na capital dos gaúchos desde sua ida para a frança. e no outro domingo é GREnal na província de são pedro. o que será que será, a minha defesa tendo de segurar esse oscar!!! hehehe.. abração.

Leonardo Prado disse...

outra, na minha opinião, o mano não passa as festas de fim de ano como treinador da seleção. murici ta aí, e depois do mundial de clubes, aposto que se veste de verde e amarelo para por ordem no pardieiro, ou tentar...hehehe. abração.

Michel Costa disse...

Salve, meu camarada!
Cara, não sabia que Oscar era visto dessa forma no sul. Sei do potencial dele, mas a impressão que eu tenho é que ainda não tem regularidade. O Damião sim, é o tipo de atacante que deve deixar qualquer defesa preocupada. Felizmente, o 9 do Inter está de volta à Seleção.

Abração.

João Caniço disse...

Também assisti a essa partida, Michel, e faço uma leitura bastante semelhante à tua. Creio que a final de logo vai ser uma intensa batalha táctica, bem do género do jogo dos quartos-de-final entre o mesmo Portugal e a Argentina.
Abraços

Michel Costa disse...

Olá, JP.
Pois é. Mas ao contrário do que imaginávamos, Brasil e Portugal foi um jogo mais aberto. Muito por parte do Brasil que mostrou mais uma vez que sua defesa é mais vulnerável do que o recomendável. Não conseguindo segurar a vantagem inicial e quase levando o gol de empate (embora tenha tido chance de fazer 4x2 com Henrique) do fim.
No fim, acho que tivemos um bom Mundial na Colômbia. Quero ficar atento ao futuro desses jovens que estiveram na competição.

Abraços.

Leonardo Prado disse...

eu te falei que esse oscar é problema Michel, te falei. agora eu tenho que aguentar esse cara e o damião no clássico de domingo. eu te avisei michel.... o homem é liso.

Michel Costa disse...

E resolveu a parada na Colômbia. Inclusive, muitos apostam que em pouco tempo ele estará disputando posição com Ganso na Seleção. Se ganhar mais corpo e cancha, não dá para duvidar.