domingo, 17 de março de 2013

Futebol também é produto

O horário do café é, de longe, o mais prazeroso num ambiente de trabalho. No meu caso, encontro o pessoal de outras seções para colocar o assunto futebol em dia, o que significa, basicamente, zoar os times dos adversários. De uns tempos para cá, é impossível não notar como o futebol europeu vem tomando espaço nessas conversas. Há duas semanas, as discussões giraram em torno da expulsão de Nani na partida entre Manchester United e Real Madrid com direito a torcedor do time inglês se sentindo o maior injustiçado do mundo. Na última semana, o massacre barcelonista sobre o Milan tomou conta da mesa sem que isso soasse forçado ou blasé.    
Outro fenômeno que observo, desta vez nas ruas, é o constante aumento no número de camisas de agremiações europeias. Hoje, é tão normal ver um sujeito trajando as cores do Barcelona quanto ver alguém com o fardamento do Cruzeiro, maior torcida do estado. Simultaneamente, é comum ouvirmos os nomes dos jogadores europeus dividindo as atenções com as estrelas locais. As escalações dessas equipes, mais fáceis de serem assimiladas pela manutenção dos elencos, estão na ponta da língua da molecada tanto quanto a do time de coração.  
Existe um pensamento enraizado de que os times brasileiros por sua história e tradição nunca perderão seu espaço nos corações dos torcedores para associações estrangeiras. Como muitas vezes são passados de pai para filho, acreditam que eles estão acima de qualquer “modinha” e a distância do que ocorre lá fora impede que haja a interação que só a presença no estádio pode proporcionar. No entanto, pouco ou nunca se comenta que de toda população brasileira apenas uma pequena fração assiste seu time in loco. A maior parte, por falta dinheiro, distância ou insegurança, prefere assistir do sofá de casa ou no bar com os amigos.       
Estima-se que o Flamengo tem 35 milhões de aficionados, mas quantos vão aos jogos com frequência? 50, 100, 200 mil? Isso significa que mais de 95% dessas pessoas consome o rubro-negro de outras formas. Pela TV, pela internet, pelo rádio, de alguma forma elas estarão ligadas ao cotidiano da Gávea. E é justamente por essa parcela da população que o clube fatura R$ 200 milhões por ano e não por causa dos 20 mil que estão no estádio – alguns deles sem pagar – sem o merecido tratamento.
E se a maioria está em casa ou em qualquer outro lugar, o que impede de trocar de canal e ver o Barcelona trocando seus passes como se aquilo fosse uma ciência exata ou ver as arenas lotadas e o futebol vertiginoso da Premier League? Nada impede. E é isso o que não se percebe. Antes de tudo, futebol é algo que atrai as pessoas. O manejo da bola como nunca sonhamos ter, a emoção a cada minuto, a alegria das vitórias. E como a imensa maioria não está no estádio, no fundo, a distância dos times brasileiros para os europeus é a mesma, ou seja, do sofá para a TV.
Nessa disputa, vemos as agremiações locais perderem espaço a cada dia para algo que, queira ou não, é superior, mais bem tratado e atraente. Todavia, na medida em que esse processo se desenha, continuamos fingindo que ele não existe, fazendo piadas com a “geração Playstation” ao mesmo tempo em que nossos dirigentes parecem mais preocupados com outras coisas em vez de tentar tornar nosso futebol capaz de competir com as marcas que se internacionalizam cada vez mais. Preferimos passar quase metade do ano vendo nossos times enfrentando semiamadores nos Estaduais enquanto as principais ligas do planeta mostram, simultaneamente, o que têm de melhor. Nessa luta desigual, não será nenhuma surpresa que no momento em que nossos cartolas perceberem que existe guerra pelo torcedor (ou consumidor) sendo travada, ela já esteja irremediavelmente perdida.  
Imagem: Uol

15 comentários:

Anônimo disse...

Rivelino de Itabuna Bahia.
Há muito tempo eu venho observando e comentando sobre esse aumento absurdo de interesse dos torcedores brasileiros pelo futebol Europeu.
Sei que muita coisa tem que mudar no futebol brasileiro, se isso não acontecer a audiência e o interesse pelo futebol internacional só vai aumentar.
Parabéns pelo texto. Envie para o meu e-mail assim que postar um texto no seu blog.
rivelino.futebol@hotmail.com
www.rivelinosantos.com

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Veja o caso da Globo que acho que poderia transmitir mais jogos da UCL. No caso, penso que o problema maior é o horário de alguns jogos, que normalmente batem com o início da novela das 6, mas penso também que a Globo teme um pouco uma excessiva valorização do futebol internacional (por mais que ela já exista e seja meio que inevitável hoje em dia, como você ressalta bem no post), para não esvaziar seu produto, que é o futebol jogado aqui, por isso a cobertura do que acontece lá fora, na maioria das vezes é apenas feita com o que eles consideram necessário. Mesmo com esse desleixo da TV aberta, vejo que essa globalização do futebol é irreversível, ainda que penso ser possível conciliar, para quem gosta mesmo de futebol a paixão por um time local com a apreciação de um time de fora.

Yuri disse...

Eu lembro que um "contra-argumento" de antes era que isso só atingia os "guris de apartamento" e não o povo comum. Bem, com a quantidade de camisas de times internacionais que vemos nos jogos da várzea e sendo trajadas por gente de baixo poder aquisitivo, podemos ver que este argumento já foi pro vinagre. O que pode ser mais "legítimo" que camisas do Manchester City a 15 reais?

Outro argumento, numa questão muito mais complexa, era que somente apareciam "torcedores" de times grandes, como Milan, Arsenal, Liverpool, Barcelona, Real Madrid... hoje quem utiliza a internet até se assusta e se questiona até que ponto mesmo as pessoas têm simpatia por quadros pequenos e médios do futebol europeu. Há simpatizantes de praticamente tudo. Outro argumento que já não funciona.


O argumento de "Geração Playstation" sempre foi o mais fraco. Ele ajudou a consolidar o gosto pelo futebol internacional de uma geração apenas, antes dela não havia o Playstation e depois dela outros consoles de videogame atingem os jogadores (de videogame e os boleiros que jogam de verdade, inclusive até o Messi). Desde os anos 80 há pessoas que gostam de times e do futebol europeu em si, justamente quando ele começou a ser televisionado. Outro defeito deste argumento é que ele é conflitante com a mentalidade de que só a classe-média gosta disso. Quem fala uma groselha dessas nunca pisou numa favela ou área paupérrima. O gosto pelos jogos eletrônicos de futebol nesses lugares é MUITO maior que em lugares de classe média e alta (pois os jogadores destes lugares revezam com outros tipos de jogos com maior facilidade).

Não dá mais para fingir que não existe e a gente se pergunta até onde isso vai.

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Só me pergunto: Até que ponto a mídia ajuda nisso, quando muitas vezes faz um papel de desprezo ao que acontece aqui? Por exemplo: Vejo muitas vezes os estaduais serem malhados (e realmente merecem muitas críticas), mas vocês não acham que, às vezes, existe um certo exagero em desvalorizar tudo que acontece aqui, sem uma perspectiva de melhorar, ou seja, sem oferecer alternativas para que o futebol jogado aqui possa evoluir mais?

Fabiano Dias disse...
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Fabiano Dias disse...

É um produto mal explorado por todos (clubes, CBF, Federações, TV, etc..). A começar pela (falta de) organização dos campeonatos.

Nos últimos anos a TV tem sido a principal fonte de renda de muitos clubes, então ela manda e desmanda nos horários e nas datas. E que se dane o torcedor que tem que acordar as 5 da matina para trabalhar no outro dia. Até mesmo para quem fica no seu sofá da casa é complicado para ver um jogo as 22 horas da madrugada, imagina para quem vai no estádio. Em muitas cidades o transporte público é precário, para não dizer inexistente depois das 23 horas. Sem contar na insegurança de andar nas ruas nessas horas. E a TV tem que preencher sua grade, com isso clubes são obrigados a jogar nas (mal)ditas datas-FIFA, desfalcando assim seus elencos.

Outra questão é o preço dos ingressos. Penso eu que tem que haver setorização com ingressos mais baratos.

Ah, a imprensa também é muito culpada por isso. Pois a mesma critica, critica, mas não mostra alternativas. Exemplo: sempre se fala muito no nosso calendário apertado, mas até hoje, não vi ninguém da imprensa com uma solução lógica para essa questão. Só dizem que na Europa é organizado e tals, mas não mostram como se aplicaria um calendário racional aqui.

Michel Costa disse...

Obrigado, Rivelino.

Realmente, trata-se de um processo que não dá sinais de reversão. E enquanto nossos dirigentes não perceberem quanto terreno já foi perdido, mais espaço deverão ceder. Um tema parecido foi abordado no ótimo "A bola não entra por acaso" quanto o próprio Barcelona decidiu que era necessário internacionalizar sua marca seguindo o exemplo do Manchester United.

Abraço.

Michel Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Michel Costa disse...

Creio que a principal razão ainda é a grade global, Alexandre. Boa parte da UCL é disputada num horário em que a emissora carioca transmite suas intocáveis novelas. Mesmo assim, não duvido que a não exibição nos fins de semana também tem como objetivo não reforçar os campeonatos que concorrem com o Brasileirão.

Quanto a sua pergunta, até concordo que existe um certo maniqueísmo na forma como parte da imprensa lida com essa questão e já comentei sobre isso algumas vezes no Twitter. Porém, acho que você concorda comigo quando digo que a cartolagem faz muito pouco para mudar esse cenário.

Michel Costa disse...

Esse sempre me pareceu o recurso da "negação", Yuri. Negar o problema é mais fácil do que enfrentá-lo. O pior é que a grande maioria embarca na opinião de que tudo não passa de modinha e segue ignorando a existência do processo. Tenho curiosidade de saber como esse panorama estará daqui a dez anos.

Michel Costa disse...

Tem uma parte da imprensa que costuma bater forte nessas questões, Fabiano. Sem apresentar boas opiniões, é verdade, mas pelo menos colocando o dedo na ferida. Por outro lado, também existe a parcela que sabe que desvalorizar o próprio produto também não é inteligente. No Redação Sportv, por exemplo, Tim Vickery costuma ser a única voz a pedir o fim dos Estaduais. O restante apela para a tradição para dizer que eles não podem acabar. No máximo, citam a diminuição de datas como alternativa, mas conscientes de que isso não deve acontecer tão cedo.

Fabiano Dias disse...

É isso que me refiro. Não adianta bater na mesma tecla, sem mostrar soluções. Vejo muitos falarem via twitter, blogs e afins, mas no entanto, nenhum mostra algo que possa ser aplicado, nenhum esboço de calendário sequer.

Eu mesmo já fiz um esboço de calendário mais racional (sem jogos nas datas-FIFA e um intervalo em junho-julho para as competições da Seleção), e o resultado foi que os estaduais até podem continuar existindo, mas sem os times que disputam as séries A, B e C. Ou seja, o Brasileirão começaria já em fevereiro indo até novembro, e os estaduais seriam uma espécie de série D. E ainda assim teriamos que conversar com a dona Conmebol para fazer as suas competições serem disputadas ao mesmo tempo (quase impossível).

E outro ponto seriam a internacionalização dos clubes. Querendo ou não, hoje o mercado principal é a Europa, mas mesmo assim, os clubes de lá estão procurando alternativas, fazendo suas pré-temporadas em outros lugares: Ásia e Estados Unidos, principalmente. Para isso ocorrer aqui, teriamos que mudar radicalmente o nosso calendário, e ser igual ao europeu, o que implicaria jogar em pleno verão aqui (já fizemos isso atualmente, pois não há uma pré-temporada descente). E também, se possível, ajustar os horários dos jogos para que os europeus e asiáticos possam acompanhar nossos campeonatos. Pouco se faz nesse sentido, e quando fazem a própria imprensa já faz beicinho quando dos jogos as 21 horas de sábado.

Michel Costa disse...

Também já rascunhei meu calendário ideal, Fabiano. Diminuí os Estaduais, respeitei as datas FIFA, estipulei uma pré-temporada decente... mas, no fim, cheguei a conclusão que o calendário permanecerá o mesmo e que ele é assim para servir aos interesses do sistema diretivo em vigor. Como se sabe, a CBF atende aos interesses das federações estaduais e os clubes são subservientes a elas. E interessa muito a essas federações que os campeonatos sigam inchados como estão. Enquanto esse formato imperar, acho muito difícil que alguma coisa mude.

Fabiano Dias disse...

Pois é. O Felipe Lobo fez um texto interessante: http://trivela.uol.com.br/colunas/brasil/a-copa-2014-pode-deixar-legado-nos-salvar-dos-estaduais/

Será que ocorrerá isso mesmo de diminuir os estaduais por causa da copa ou passaremos vergonha com as seleções desembarcando nos aeroportos e o Brasileirão a pleno vapor aqui. E essa diminuição será pontual ou definitiva?

Bom, penso que um calendário racional, com menos jogos (seria aceitável até a diminuição de participantes da série A para 16 clubes ou não sendo muito radical 18), valorizaria e muito o nosso produto. Mas isso seria apenas um ponto a mudar. Temos muitas questões a serem debatidas e melhoradas.

Michel Costa disse...

Não acredito nessa possibilidade, Fabiano. Provavelmente farão como em 2010 quando pararam tudo para a disputa da Copa e espremeram o restante da temporada em seis meses. Pode anotar: Pelo menos enquanto, os Estaduais são "imexíveis".