Doze
meses nos separam daquela que ficou conhecida como “a Copa das Copas” –
definição que antes parecia ser apenas um exagero do Governo Federal para o
evento que organizava, mas que acabou se tornando realidade quando a bola
começou a rolar. Partidas empolgantes, craques desfilando categoria pelos
nossos gramados, a festa das torcidas, a comprovação de nossa hospitalidade e
muito drama fizeram da última edição do Mundial algo inesquecível – no caso
específico dos anfitriões, por uma razão bastante amarga.
Um
ano após o revés mais doloroso da história da Seleção Brasileira, é possível
classificar o 7 a 1 aplicado pela Alemanha como um divisor de águas em nosso
futebol. Embora a elasticidade do placar tenha especificidades pontuais,
pode-se dizer que ali foi sepultada toda uma forma de se jogar. Em 90 minutos,
os alemães comprovaram como um coletivo forte está a um abismo de distância de
um bando de jogadores cuja única arma era a vontade. Foi o triunfo da
organização e do planejamento sobre o imediatismo e a negligência, confirmando
em 2014 o que a Espanha já havia sinalizado em 2010. Mesmo sem supercraques,
mostraram ser possível formar um time capaz de ser encantador e, ao mesmo
tempo, altamente competitivo. Uma lição que o Brasil poderia e deveria ter assimilado.
Naquele
momento, restava a oportunidade de juntar os cacos e recomeçar a partir da
direção apontada por seus adversários. Todavia, lamentavelmente, a primeira
ação da CBF foi tentar varrer a tragédia esportiva para debaixo do tapete. A
palavra “apagão” surgiu para batizar o massacre, e tudo permaneceu como era
antes. Para tentar recolocar o escrete verde-amarelo nos trilhos, Dunga foi
reconduzido ao posto de técnico. Estava implícita a ideia de que o capitão do
Tetra poderia colocar ordem na casa e reeditar a equipe empenhada que marcou a
sua passagem anterior até a fatídica derrota para a Holanda na Copa da África
do Sul.
Dunga,
por tudo o que tem demonstrado, mudou pouco durante o hiato de quatro anos que
o afastou da Seleção. A sede de vitórias permanece a mesma e a sua concepção
tática ainda prioriza o contra-ataque em detrimento da proposição. Sem a bola,
os seus comandados continuam fechando os espaços de forma eficiente, com uma
compactação defensiva que está de acordo com a cartilha do futebol moderno. Mas
o problema maior se apresenta quando o seu time tem a bola nos pés.
Por
ironia do destino – e pelos caminhos tortuosos tomados pela escola brasileira
nas últimas décadas –, o país que um dia ficou mundialmente conhecido pela
fantasia e pelo bom trato com a bola hoje não sabe mais o que fazer com ela.
Assim como ocorreu com Luiz Felipe Scolari, a Seleção continua sofrendo na
transição entre defesa e meio de campo, e sendo obrigada a assistir adversários
teoricamente inferiores assumindo as rédeas das partidas, deixando claro que um
dos principais objetos de crítica durante a Copa de 2014 permanece intacto.
O
segundo fracasso consecutivo em competições oficiais trouxe consigo o
fortalecimento da dúvida sobre a verdadeira qualidade da atual safra de
jogadores brasileiros. Exceção feita a Neymar, todos os atletas vêm sofrendo
questionamentos acerca de suas capacidades, e as comparações com gerações
passadas se tornaram inevitáveis. Nem mesmo a massiva presença nos principais
clubes do planeta e as enormes cifras que suas transações têm movimentado são
suficientes para demover a ideia de que os talentos estão cada vez mais
escassos. E o fato de ninguém ter apresentado um comparativo minimamente
decente entre as épocas só indica como tal discussão soa vazia, muito mais
presente no âmbito das sensações do que das análises.
O
que nem todos percebem é que a realidade do futebol mundial mudou. Com a
intensidade cada vez maior do jogo e a redução do tempo e do espaço, o craque
só continuará fazendo a diferença se houver um coletivo forte em torno de si.
Com os nomes que possui, esta geração e provavelmente as vindouras podem se
tornar competitivas desde que sejam adequadas às demandas atuais do esporte.
Para isso, é necessário tanto que se corrijam os rumos do trabalho de Dunga
quanto que se planeje o nosso futebol como um todo, da base à ponta da
pirâmide.
De
um ponto de vista mais restrito, em que se analisa separadamente a Seleção
Brasileira, o primeiro passo é reestruturá-la em busca do protagonismo perdido.
Embora o estilo de nossos meias e atacantes esteja mais voltado para a
verticalização e o ataque aos espaços, não se pode perder de vista que o jogo
inteligente deve ser gerado a partir dos volantes. Sem uma participação efetiva
dos homens mais recuados do meio de campo, a construção de jogo passa a ficar
dramaticamente comprometida – o que, naturalmente, faz com que cabeças-de-área
puramente marcadores e meias ofensivos que apenas realizam infiltrações não
cumpram de forma satisfatória essa missão.
Outro
aspecto fundamental é o entrosamento do novo grupo brasileiro, que, embora
tenha tido uma reformulação menos drástica em comparação a ciclos anteriores,
sofreu uma quantidade de alterações bem superior a Chile e Argentina, por
exemplo, finalistas da Copa América de 2015. Além disso, há ainda a questão
psicológica, que começa no craque Neymar, com imbróglios jurídicos em
Barcelona, passa pelos rompantes “heroísticos” de David Luiz e chega à
instabilidade de Thiago Silva. E tudo isso em meio a uma onda da palavra
“decadência” e de visões autodestrutivas sobre tudo.
Na
verdade, as deficiências estruturais do futebol brasileiro mudaram pouco nas
últimas décadas. Os dirigentes corruptos, o calendário inchado, os péssimos
gramados, a violência das organizadas e o baixo público nos estádios sempre
foram características marcantes do futebol local. Os nossos problemas não se
tornaram subitamente maiores, mais profundos ou até mesmo insolúveis devido ao
que aconteceu na Copa de 2014.
Independentemente
de tudo isso, debater as demandas do nosso futebol continua a ser algo
fundamental para a sua saúde – e a tentativa da cúpula da CBF de promover uma
agenda acerca do assunto, apesar de ainda ser insuficiente e acontecer com pelo
menos um ano de atraso, não deixa de ser uma sinalização. Para que sejamos
capazes de cicatrizar as nossas feridas e pavimentar um futuro melhor, o
primeiro passo é compreender os equívocos do passado. A tragédia esportiva do
dia 8 de julho de 2014 só terá um significado positivo se, mais do que escancarar
os nossos defeitos, ajudar a impulsionar as melhorias que o futebol brasileiro
tanto precisa.
Texto
escrito originalmente para o site Conexão Fut
Imagem:
AFP
4 comentários:
Não é o caso de comemorar e tirar sarro, como muitos brasileiros fazem. Apenas ressaltar que foi algo merecido e que o Brasil já poderia ter sofrido a algum tempo. Infelizmente, porém, parece que a ficha não caiu para a maioria. Essa comissão de ex-treinadores da Seleção convocada pela CBF me parece muito mais algo para desviar o foco de outras questões do que algo realmente sério para discutir o futebol brasileiro. A discussão deve vir da base dos clubes para cima. Pensar apenas no imediatismo não irá trazer grandes soluções, além do fato de que alguns ex-treinadores chamados não me parecem ter muito a acrescentar.
A lembrança do 7x1 deve acontecer, mas mais do que rir ou tentar jogar debaixo do tapete, deveríamos pensar em como melhorar de fato. Dentro e fora de campo. Só acho que em 50, pelo que leio a respeito, a tristeza foi ainda mais genuína e forte para o torcedor. Em 82 também deve ter sido complicado, mas acho que aí já tinha um pouco menos de romantismo envolvido na engrenagem do futebol. O que me chama a atenção é que essa derrota de 2014 trás mais vontade das pessoas fazerem gozação com a CBF e jogadores/técnicos do que tristeza. Um pouco pela característica do brasileiro de se apropriar de vitórias alheias (como no caso do Guga por exemplo) e se distanciar quando algum brasileiro perde no esporte. Mas aí nesse caso específico do 7×1 entra o cansaço e o desânimo com a Seleção e com a CBF, coisa que foi mascarada com os títulos de 94 e 2002, mas já é bem claro desde 1990 pelo menos.
Sei da sua visão de que as pessoas se INTERESSAM pela Seleção, e isso é claro, mas também é para mim que as pessoas não tem mais PAIXÃO pela equipe amarela, e sim com seus clubes. Outra coisa que já falamos aqui é que o 7x1 é a derrota de uma parte da imprensa, que continua a preferir falar bobagens e insistir em místicas, palhaçadas e outros subterfúgios, ao invés de falar SÉRIO sobre tática, analisar mesmo o jogo.
Concordamos em parte, Alexandre. Particularmente, não incluo a Seleção de 94 em nosso atraso. Apesar de Parreira ser hoje um fantasma do que foi, a equipe do Tetra refletia bem o futebol da época, já aplicando intensidade e compactação das linhas. Havia um problema nos meias, mas era algo muito mais da geração do que culpa do técnico. 2002 sim, ganhamos graças aos craques que tínhamos no ataque numa época em que tudo estava tão ou mais errado do que agora.
Quanto à Comissão, considero importante ouvir todos os lados nem que seja para saber onde foi que erramos. É importante olhar para o passado para compreender o presente e projetar o futuro. No entanto, concordo com a ideia de que a solução não virá dos ex-treinadores que estiveram na CBF.
Abraço.
Eu só falo de 1994 como um ponto que mascarou um certo desgaste que já existia na relação do torcedor com a Seleção. Não discuto que o trabalho do Parreira foi muito mais completo do que o que houve em 2002, em que a meu ver quase não existiu nada, as coisas foram se acertando perto da Copa, até com uma boa dose de sorte...
Coincidência ou não, esse distanciamento se tornou mais acentuado com o êxodo dos grandes jogadores e, posteriormente, com as partidas amistosas sendo disputadas em várias partes do mudo. No entanto, acredito que o torcedor brasileiro tem por característica se reaproximar da Seleção quando ela está em boa fase ou disputando torneios relevantes. É um sentimento meio latente, imagino.
Abs.
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