sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Anjos brancos à beira de outro inferno

Atual campeão europeu e mundial, o Real Madrid vive uma crise insólita. O futebol que assombrou os gramados em 2014 não tem sido visto neste ano. O contra-ataque avassalador não vem sendo tão eficiente e a defesa antes segura vem apresentando falhas comprometedoras. Nas lesões de jogadores importantes como a do croata Modric está parte da explicação para a queda de produção, mas a atual fase dos merengues faz com que os observadores de futebol mais antigos se lembrem do fracasso da primeira Era Galáctica.
Tudo começou em 2000. Florentino Pérez, em sua primeira passagem pela presidência do Real Madrid, implantou uma filosofia que unia a visão mercadológica do novo século com o romantismo do passado glorioso do clube. O primeiro a chegar foi Luís Figo, com direito ao choque causado pelo pagamento da multa contratual ao Barcelona. Em seguida, foi a vez do gênio francês Zinedine Zidane. Depois do Mundial de 2002, Ronaldo desembarcou para inaugurar definitivamente o período galáctico. Três estrelas que somadas ao prata da casa Raúl e a Roberto Carlos faziam a diferença em campo com o suporte de atletas voluntariosos como Michel Salgado, Claude Makelele e Flávio Conceição.
Como explica o jornalista britânico John Carlin em seu excepcional livro “Anjos Brancos”, a fórmula de Pérez era relativamente simples:
– Um time que reúne as maiores estrelas do futebol é imbatível;
– Este time não precisa de complicados esquemas táticos;
– Mesmo não ganhando sempre, porque o imponderável habita o futebol, a arte e o espetáculo ficam para a eternidade;
– Como o futebol é a maior religião do mundo, um time com estrelas globais tem uma torcida mundial;
– O torcedor é um ser absolutamente fiel;
– Qualquer grande corporação internacional pagará o que for preciso para ter seu nome associado a este super time;
– O time mais caro do mundo é também o mais barato.
As coisas caminharam bem até a chegada de David Beckham em 2003. Astro cuja imagem ultrapassava os limites do esporte, o inglês parecia ser a peça que faltava ao panteão madridista, uma vez que, além da qualidade técnica, trazia consigo uma legião de fãs, sobretudo na Ásia. Contudo, a engenharia financeira proposta por seu mandatário não era capaz de operar milagres. Para a inclusão de Beckham, alguns cortes precisaram ser feitos. Com isso, os alguns dos principais carregadores de piano deixaram o clube e deram lugar à política que ficou conhecida como Zidanes y Pavones, alusão direta aos craques que se juntavam aos jovens da base como o mediano zagueiro Francisco Pavón. No início funcionou. O time liderou boa parte da temporada 2003/4 e Florentino pôde saborear aquilo que julgou ser o crepúsculo dos catedráticos do futebol e seus esquemas mirabolantes. Porém, o fôlego do elenco curto, embora talentosíssimo, arrefeceu após a virada de ano e terminou numa impensável quarta colocação.

Qualquer semelhança com o momento atual não é mera coincidência. Embora alguns conceitos tenham mudado – como a necessidade de destruidores no meio-campo – mesmo um time estelar não pode prescindir de boas as condições físicas, táticas e, logicamente, psicológicas. A festa de aniversário promovida por Cristiano Ronaldo após a goleada por 4 x 0 imposta pelo Atlético de Madrid caiu como uma bomba junto à torcida. “Seu riso, nossa vergonha” eram as palavras que estampavam a faixa que alguns torcedores levaram ao centro de treinamento dos blancos. Conhecido por sua capacidade de gerir grupos compostos por jogadores renomados, Carlo Ancelotti terá a dura missão de recolocar sua equipe nos trilhos já neste sábado no estádio Santiago Bernabéu diante do Deportivo La Coruña com a esperança de que a história não se repita mais uma vez.
Imagens: Reproduções Youtube e Instagram

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