segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Ao (contra-)ataque!

Em quatro partidas, quatro vitórias, oito gols marcados e nenhum sofrido. No caminho, rivais como Colômbia e Argentina foram abatidos. Esse é o saldo da nova Seleção Brasileira novamente sob o comando de Dunga. Mas, por que isso não parece ser suficiente para convencer público e crítica? Quem ouve os principais comentaristas ou lê os maiores colunistas tem a impressão de que os resultados têm pouca ou nenhuma importância dentro do cenário pós-Copa. E não é difícil entender os motivos.
Há anos o Brasil vive o mesmo dilema: Queremos mudança nos rumos do futebol, mas não temos dirigentes e técnicos capacitados para a missão. Para piorar, muitos desses cartolas e profissionais simplesmente não identificaram a existência do problema e seguem como se ainda detivéssemos o principal campeonato do planeta. E, de certo modo, a Seleção representa o consolidado de tudo o que tanto se critica no futebol brasileiro e que precisa ser mudado. E talvez esteja aí o nosso erro.
Desde a era Guardiola no Barcelona, passando pela ascensão da Espanha até o ressurgimento da Alemanha, um modelo de jogo se tornou uma espécie de ideal imaginário para o Brasil. Ou melhor, parece ter se tornado a fórmula única para a retomada do estilo há muito perdido. Era como se a adaptação de jogadores de estilo rápido e vertical que produzimos nas últimas décadas para um estilo voltado para o toque de bola fosse uma simples questão de opção do treinador da vez. Infelizmente, a vida real não funciona dessa forma.
A Seleção é o topo da pirâmide. Uma equipe formada por atletas que militam em diversas partes do mundo, mas com uma característica em comum. São jogadores que, em sua maioria, possuem um estilo de jogo vertical, de condução de bola e afeito ao contra-ataque. Assim são Neymar, Diego Tardelli, Oscar, Philippe Coutinho, Willian, Hulk, Robinho, Kaká e Lucas Moura. Paulo Henrique Ganso é um dos poucos a exibir um repertório diferente. E talvez justamente por isso não faça parte dos planos imediatos de Dunga.
Neste cenário, nada mais lógico do que vermos o técnico estruturando seu time para marcar forte e aproveitar os espaços. Com os jogadores que temos, esse é o caminho mais natural a seguir. Além disso, equipes como Chelsea, Real Madrid, Atlético de Madrid e Borussia Dortmund mostraram, recentemente, que é possível vencer de outras formas, desde que não se perca de vista conceitos básicos do futebol atual como organização, compactação, intensidade e jogo coletivo. Isso não quer dizer que nunca mais haverá uma filosofia propositiva no Brasil, mas essa revolução só será possível a partir da base. De baixo para cima.  
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Sportv

domingo, 12 de outubro de 2014

Com a cara de Dunga

Foram apenas três amistosos, algumas horas de treino e períodos de convivência. Contudo, os primeiros jogos da Seleção Brasileira sob as ordens de Dunga deram mostras de que seu estilo de comandar não mudou. Vimos uma equipe aguerrida, buscando fechar os espaços, renunciando à posse de bola em diversos momentos e vencendo com alguma dose de sofrimento. Fora de campo, um técnico vibrante e irritadiço como sempre. De certo modo, é como se os quatro anos que se passaram desde a eliminação para a Holanda em 2010 não tivessem existido. Mas existiram.
Sendo pragmático, é elogiável ver o treinador de um selecionado conseguindo impor suas ideias em tão pouco tempo. A título de comparação, Mano Menezes só conseguiu esboçar algo parecido quando chegou a dois anos no cargo. No entanto, há uma diferença crucial: Enquanto Mano almejava alterar o perfil da Seleção, tentando reimplantar o protagonismo perdido, Dunga optou pelo mais simples, buscando jogar no erro do adversário, algo que corresponde ao tipo de jogador que o Brasil produziu nos últimos anos.
Embora seja difícil saber se Dunga realmente enxerga todo o cenário do futebol brasileiro e mundial ou se apenas implanta sua visão desse esporte, a verdade é que ele conseguiu atingir seu objetivo inicial, ou seja, venceu seus primeiros duelos e viu sua equipe atuar de modo semelhante ao que fazia quando de sua passagem anterior. Dentro desse cenário, melhor impossível. Porém, dentro dos anseios do público, a distância para o modelo tido como ideal é grande.
A começar por sua relação com a imprensa. Pelo menos desde 1990, Dunga vive às turras com os jornalistas esportivos. Nunca digeriu ter visto seu nome batizando o fracasso da Seleção no Mundial da Itália. Tanto que fez questão de “dedicar” o tetracampeonato conquistado nos EUA a esse segmento. E a recíproca é verdadeira. Na última sexta-feira, no programa “Linha de Passe”, o comentarista José Trajano fez questão de lembrar que não gosta do técnico. Pouco depois da vitória por 2 x 0 sobre a Argentina, Mauro Cezar Pereira criticou Dunga pelo entrevero com a comissão técnica rival mesmo sem saber direito o que tinha acontecido.
Todavia, mais importante do que vencer a desconfiança da imprensa é o resgate da competitividade da Seleção. Dunga conseguiu isso em sua primeira passagem, mas sua equipe tinha como ponto fraco a incapacidade de romper defesas mais fechadas, preferindo o contragolpe. O problema é que este provavelmente será o comportamento de 90% dos adversários daqui por diante. Para o Brasil, propor o jogo é também uma obrigação histórica que um peso de cinco estrelas impõe. Sem dúvida trata-se do maior desafio deste ciclo.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Fred Dufour/AFP

domingo, 5 de outubro de 2014

Transição e renovação

Não existe fórmula exata para se promover a renovação de uma seleção. Cada treinador adota as medidas que julga necessárias de acordo com as circunstâncias e suas convicções. Além disso, antes mesmo de se pensar em renovação, é preciso promover a transição entre gerações para que não haja uma lacuna entre jogadores jovens e experientes. Em 2002, Parreira teve a paciência necessária para incorporar novos talentos ao grupo pentacampeão, mas errou ao não identificar focos de desinteresse nas grandes estrelas antes do Mundial de 2006. Em seguida, Dunga respondeu forte ao pedir comprometimento, porém, falhou ao se apegar demasiadamente aos atletas que lhe deram suporte durante a trajetória até a África do Sul. Por sua vez, Mano Menezes cometeu o pecado de romper com tudo o que seu antecessor havia feito, apostou na juventude e caiu sem encontrar seu time ideal.
Quanto a Felipão, sua chegada sempre foi mais uma medida política e uma tentativa de recolocar a Seleção Brasileira nos trilhos do que uma decisão estratégica. Embora não possa ser responsabilizado por tudo o que ocorreu na última Copa, ficou evidente logo no início do torneio que a fórmula da vontade acima da organização dificilmente vingaria no futebol atual. Por seu estilo aguerrido dentro e fora de campo, muitos acreditam que Dunga reza a mesma cartilha, todavia, sua primeira passagem foi marcada muito mais pelo pragmatismo do que por um estilo “vamo-que-vamo”. Sua Seleção poderia ser criticada pela falta de ideias, não pela falta de organização. De certo modo, seu estilo pode ser comparado ao do argentino Diego Simeone. O que não é, necessariamente, um elogio.
Dunga é um obcecado por vitórias. Em seu dicionário, jogar bem é vencer e marcar época significa conquistar títulos. Talvez por isso não entenda por que a Seleção de 1982 é adorada mesmo sem ter vencido nada. Deste modo, não surpreende a iniciativa de trazer de volta à pauta jogadores que dificilmente chegarão com fôlego a 2018. A presença de nomes como Maicon, Elias, Robinho e agora Kaká nas duas primeiras convocações indica que a preocupação com o presente é grande. Embora não tenha deixado nada explícito, Dunga quer espantar logo o fantasma dos 7 x 1. Não por acaso, levará o que tem de melhor para pegar a Argentina e sinalizou positivamente para futuros amistosos contra a Alemanha.
Mesmo diante dessa constatação, a iniciativa chama a atenção. Aos 32 anos e com passagem marcada para defender o Orlando City, é pouco provável que Kaká siga como um atleta de nível de Seleção por muito tempo. Bem mais jovem e vivendo boa fase, Ganso seria uma opção que faria mais sentido tanto pela idade quanto por suas características. Neste momento, o Brasil não tem nenhum meia capaz de cadenciar o jogo. Mesmo que o time idealizado por Dunga não tenha como objetivo reter mais a bola, não deixa de ser interessante ter alguém como o são-paulino como alternativa.
Paralelamente, também existe a percepção de que o radar da comissão técnica segue atento a novos valores. Chamado preventivamente por causa da lesão de Jefferson, o goleiro Marcelo Grohe vem se apresentando em grande forma no Grêmio. Convocados depois dos cortes de Marquinhos, Ramires e Fernandinho, o zagueiro Juan Jesus e os volantes Souza e Rômulo fazem parte de um perfil de renovação. Apesar de Juan ser um defensor não mais que razoável, Souza e Rômulo são opções bastante auspiciosas do comandante brasileiro, uma vez que são exemplos típicos de volantes capazes de marcar e atacar com eficiência, seguindo a tendência mundial. O que indica que, além do momento, Dunga também olha para o futuro.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Getty Images