domingo, 21 de setembro de 2014

A Seleção não tem culpa

Na última quarta-feira, Dunga, técnico da Seleção Brasileira, divulgou a lista contendo os 22 convocados para os amistosos diante de Argentina, 11 de outubro em Pequim, e Japão, dia 14 em Cingapura. Como se esperava, a presença de nomes que atuam no Brasil provocou revolta nos torcedores dos times que irão ceder jogadores aos seus respectivos selecionados. Contando com a apresentação, as ausências serão sentidas na 27ª e 28ª rodadas do Brasileirão. Desfalques que, em alguns casos, podem fazer a diferença.
Embora a reação automática dos torcedores seja reclamar da comissão técnica da Seleção e da CBF, é preciso saber que a questão é mais profunda do que parece. Desde os anos 1990, a FIFA instituiu datas específicas para jogos de seleções dentro de um calendário previamente definido. Todas as federações nacionais têm conhecimento do mesmo e se planejam para que esses períodos não coincidam com a temporada regular dos clubes. Ou melhor, quase todas.
Graças à ligação entre CBF e federações estaduais, simplesmente não há datas suficientes para a instituição de um calendário decente no Brasil sem que interesses sejam atingidos. A CBF não quer desagradar seus membros que, por sua vez, só existem porque alimentam a própria entidade. Por sua vez, os clubes são subservientes tanto às suas federações quanto à cúpula ora dirigida por José Maria Marin. Sendo assim, na maioria das vezes, a reclamação se restringe a técnicos, jornalistas e torcedores. Qualquer outro barulho não passa de pirotecnia.
Não resta dúvida de que os atletas não se incomodam com o chamado. Eles têm absoluta ciência do quão benéfico para suas carreiras é a chancela da Seleção. Mesmo que desfalquem suas agremiações, as ambições pessoais estão sempre à frente. Em todo o caso, Dunga já deixou aberta a possibilidade do envio de uma carta solicitando a dispensa de algum convocado. Obviamente, tais missivas nunca serão enviadas. Dirigentes e jogadores sabem que esse não é o caminho.
Curiosamente, a nova lista traz um raro nome que um dia recusou a Seleção. Em 2011, quando ainda defendia o Grêmio, Mario Fernandes protagonizou um estranho episódio de recusa de convocação. À época, o atual lateral-direito do CSKA, declarou problemas particulares e não se apresentou para o amistoso contra a Argentina em Belém. Justamente o primeiro adversário na turnê pela Ásia. Como disse o técnico Dunga, todos merecem uma segunda chance. Mas nunca é bom arriscar.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: André Brant/Hoje em Dia

domingo, 14 de setembro de 2014

Deixem o homem trabalhar

Quando o posto de técnico da Seleção Brasileira ficou vago, quase ninguém pensou no retorno de Dunga. Apesar da hipótese de um nome estrangeiro ter sido admitida pela CBF, todas as direções apontavam para a escolha de Tite, o mais vitorioso e atualizado profissional brasileiro dos últimos tempos. Todas menos uma: a política. Segundo a cúpula da entidade, o ex-comandante do Corinthians era figura ligada ao desafeto Andrés Sanchez e, portanto, carta fora do baralho.
Não há dúvida que a volta de Dunga não atendeu os anseios da torcida brasileira. Depois do que houve na última Copa do Mundo, esperava-se uma mudança de rumo na condução da Seleção. Apesar do time dirigido no ciclo 2006/2010 ter sido competitivo, o ex-volante sempre o organizou visando o contra-ataque. Nunca houve uma demonstração de busca por um futebol protagonista. Na visão do capitão do Tetra, só a vitória interessava e o resto não passava de perfumaria.
E parte dessa mentalidade se mantém. Como é de sua natureza, Dunga é obcecado por vencer. Como disse Neymar, é o tipo de pessoa que “não gosta de perder nem cara ou coroa” e isso se reflete em suas equipes. No entanto, algumas mudanças em relação ao trabalho anterior já foram notadas. Diferente de sua primeira passagem e do que era visto com Felipão, esta Seleção tem um apreço maior pela troca de passes e pela posse, sem falar na ausência de um centroavante clássico. Os lançamentos longos desde os zagueiros foram repreendidos e a bola também não é alçada das laterais do campo de qualquer maneira. Por outro lado, a recomposição defensiva segue a mesma linha que um dia arrancou elogios de Fabio Capello.
Logicamente, é muito cedo para dizer que este novo trabalho dará certo. Do mesmo modo, também não é possível falar em fracasso antecipado. Durante o caso que resultou no desligamento de Maicon muitos se anteciparam para dizer que o técnico errou na condução do episódio. Alguns dizendo que o motivo da dispensa deveria ser divulgado, outros afirmando que o melhor era manter o lateral no grupo e só depois não convocá-lo mais. Curiosamente, o próprio jogador agradeceu a maneira como tudo foi conduzido. E ninguém melhor do que ele para saber o tamanho do seu ato de indisciplina. No fim, acabou ficando a impressão de que o julgamento à distância não foi o mais correto. Do mesmo modo que falar em sucesso ou fracasso de Dunga baseando apenas pelo gosto pessoal não parece a maneira mais justa e inteligente.
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: AFP

domingo, 7 de setembro de 2014

Primeiros passos

Como reza o manual dos treinadores precavidos, Dunga fez questão de dar o favoritismo do amistoso entre Brasil e Colômbia aos rivais. Sem dúvida, o técnico tinha conhecimento da força do elenco comandado há dois anos pelo argentino José Pékerman, mas também havia a percepção de que não se coloca pressão sobre um grupo recém-formado, ainda mais quando boa parte deste acaba de emergir do pior momento da história do selecionado nacional. Contudo, Dunga sabia que poderia vencer a partida e trabalhou para isso.
Durante a última semana, noticiou-se que os treinos da Seleção estavam mais longos e intensos do que se via com Luiz Felipe Scolari. As atividades duram agora mais de duas horas e foram sempre com bola. Perguntados sobre a diferença entre os dois técnicos, alguns jogadores, com os rodeios de praxe, disseram que o novo técnico é mais detalhista que seu antecessor. O espírito aguerrido e vencedor do capitão do Tetra também foi mencionado. Restava saber como o curto período de treinos se refletiria em campo.
Previamente, a lista de convocados indicava um time montado para o presente. Nomes como Maicon – cortado por indisciplina neste domingo – Filipe Luís, Ramires, Elias e Diego Tardelli dão a certeza de que as vitórias precisam voltar a fazer parte do dicionário canarinho. Ao contrário do que ocorreu na reformulação total promovida por Mano Menezes há quatro anos, com Dunga as alterações devem se dar de maneira gradual. Embora seja muito cedo para análises mais profundas, vimos uma Seleção Brasileira preocupada em fechar os espaços, marcar forte e contra-atacar rápido. A mesma fórmula que o técnico usou durante sua primeira passagem.
Taticamente, duas mudanças se fizeram notar. A primeira, bastante auspiciosa, mostra que o maior dilema da Era Felipão pode ser solucionado com treinamento e posicionamento. A transição defensiva, antes marcada pela inoperância dos volantes e por lançamentos longos que normalmente devolvia a posse ao adversário foi substituída, por orientação de Dunga, por uma saída de pé em pé com participação dos dois volantes e laterais bem abertos (abaixo).

A segunda, que pode se tornar usual neste ciclo, foi a ausência de um centroavante fixo. Como é sua característica, Diego Tardelli movimentou-se bastante, buscou jogo e aliviou Neymar da tarefa de recuar para marcar. Na prática, o leve quarteto ofensivo não deixou referência para os zagueiros rivais, porém, era constante a presença de alguém para concluir as jogadas. Uma solução interessante para a falta de um finalizador nato.
Autor do gol da vitória, seu 36º em 55 jogos, Neymar continua sendo a principal referência da equipe. Movimentando-se por todo o campo de ataque, o camisa 10 teve liberdade para carregar a bola e tentar jogadas individuais. Por exercer a chamada “liderança técnica”, recebeu a missão de ser o mais novo capitão da história da Seleção. Uma demonstração de perda confiança em Thiago Silva, devido ao descontrole emocional mostrado durante o Mundial, e em David Luiz, pelos rompantes ofensivos. Por outro lado, fica evidente que o protagonismo de Neymar continua em alta. Resta saber como será o time que lhe dará suporte.   
Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagens: Bruno Domingos/Mowa Press e Sportv