domingo, 27 de julho de 2014

Um novo ciclo


Ao contrário do que ocorreu com Mano Menezes em seu início de trabalho na Seleção Brasileira em 2010, quando partiu quase do zero, os convocados por Luiz Felipe Scolari para o Mundial de 2014 devem formar a base da equipe que tentará recuperar o prestígio perdido no ciclo que se encerra na Copa do Mundo de 2018. À sua disposição, o técnico Dunga terá ao final de quatro anos um grupo que estará num estágio mais amadurecido do que foi visto recentemente em território brasileiro. Obviamente, se o ex-capitão chegar até lá.

Nos últimos dias ficou ainda mais evidente que Dunga não conta com a aprovação da imprensa esportiva. Não pelos fatos expostos de sua vida, que têm moderada relevância, mas pela maneira como estão lidando com eles, a ponto de haver sugestão paraque o treinador renuncie antes mesmo de estrear. Nesse cenário, está claro que apenas uma sequência de bons resultados e, sobretudo, bom futebol vai proteger o técnico das críticas que vão acompanhá-lo até o fim de seu contrato. Por tanto, é possível que tenhamos força máxima desde o início e não uma estrutura de transição.

Da equipe titular comandada por Felipão, nomes como Thiago Silva, David Luiz, Marcelo, Luiz Gustavo, Paulinho, Oscar, Hulk e Neymar provavelmente seguirão formando a espinha dorsal do novo time. Além deles, os goleiros Victor e Jefferson e os meia-atacantes Willian e Bernard têm condições de fazer parte do projeto. No entanto, veteranos como Júlio César, Daniel Alves, Maicon, Maxwell e Fred deverão ter suas vagas cedidas aos jovens que estão surgindo. Por sua vez, Dante, Fernandinho, Ramires e Hernanes, pela faixa etária, precisarão continuar correspondendo em seus clubes, enquanto Henrique e Jô, que só foram chamados por contarem com a confiança do ex-técnico brasileiro, dificilmente serão lembrados novamente.

Entre retornos e novidades, os arqueiros Cássio, Diego Alves e Marcelo Grohe saem na frente por oportunidades. Os jovens Rafael Cabral, Neto e Gabriel são outros que podem aparecer em breve nas listas de convocações. Para o centro da defesa, Miranda e Dedé surgem com evidência, mas Marquinhos e Rodrigo Caio, ambos com 20 anos, e o botafoguense Dória, 19, têm a idade e o sonho olímpico a favor.

Na lateral direita, talvez resida a posição com maior margem para experimentações. Com as possíveis aposentadorias de Daniel Alves e Maicon da camisa amarela. Marcos Rocha, Danilo e Mário Fernandes, este também na mira da Seleção Russa, despontam como favoritos. Rafael da Silva, outro lateral frequentemente lembrado, tem contra si a irregularidade que marca sua trajetória no Manchester United. No lado oposto, Filipe Luís, Alex Sandro e Alex Telles são opções interessantes para a disputa com Marcelo.

Muito contestado durante a Copa do Mundo, o meio-campo da Seleção requer cuidados. Dunga não foi um volante brilhante, mas sabe que o coração do jogo reside ali. O técnico dificilmente abrirá mão de um volante marcador, o que implica que Luiz Gustavo possivelmente seguirá no time. Todavia, isso não significa que deixará o setor esvaziado de talento. Durante sua primeira passagem, fazia uso de um 4-3-1-2 que se convertia num 4-2-3-1 com Elano abrindo pela direita e Robinho pela esquerda. Nas duas formações, preocupação com o preenchimento do meio campo. Deste modo, volantes mais técnicos como Rômulo, Souza (São Paulo) e Lucas Silva adquirem boas perspectivas. Mais à frente, Ganso volta à pauta, assim como Lucas Moura, Philippe Coutinho e Roberto Firmino, quase desconhecido no País, mas de grande destaque no Hoffenheim e cobiçado por gigantes europeus.

No ataque, a carência de centroavantes pode fazer com que Neymar atue como o jogador mais adiantado da equipe, função já testada por Mano Menezes. Não como “falso 9”, mas como um atacante móvel. Por sua entrega e participação sem bola, Hulk deve continuar, porém, precisa mostrar o poder de decisão que o destacou no Porto. Outros avançados que podem surgir futuramente são Luiz Adriano do Shakhtar Donetsk e a joia santista Gabriel. Como se nota, talento não falta. A maior parte desses atletas atua em altíssimo nível na Europa e o grande desafio é transformá-los numa equipe competitiva. Dentro de seu estilo, Dunga é capaz de cumprir essa missão. Resta saber se terá tempo para isso.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: AP

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Pontos e Vírgulas

Coluna destinada a comentar as opiniões emitidas pelo órgão responsável pela chegada de informações ao público aficionado por futebol: a imprensa esportiva. Afinal, bem ou mal, é através dela que tomamos conhecimento de (quase) tudo o que cerca o mundo da bola.

Paz armada

Há duas décadas, o capitão da Seleção Brasileira erguia o troféu de campeão do mundo aos gritos de “Essa é pra vocês, seus traíras! É nossa essa porra!”, no que se tornou o maior desabafo de uma figura ligada ao futebol em toda a história desse esporte. Naquele momento, Dunga exorcizou as críticas – boa parte imerecidas – que recebera por conta da derrota em 1990 e durante a campanha que culminou no tetracampeonato nos EUA. É verdade que o gesto foi deselegante e em nada combinou com a postura ideal de um desportista, mas só o jogador sabia o que havia passado. A partir dali, ficou evidente que sua relação com a imprensa nunca seria saudável. E assim foi pelo restante de sua carreira de atleta e durante sua passagem como técnico do Brasil entre 2006 e 2010.
De volta ao posto que deixou há quatro anos, Dunga fez mea-culpa em sua primeira entrevista coletiva e disse que deseja melhorar seu trato com os órgãos de imprensa. A julgar pela forma um pouco ríspida que usou para responder determinadas perguntas, imagina-se que a tarefa não será das mais fáceis para ele. Por natureza, o técnico tem um gênio forte, “turrão” para pegar um termo usado pelo próprio. E a maneira como provavelmente armará a equipe brasileira deve lhe render críticas que dificilmente serão digeridas de forma tranquila. Ainda mais quando a opinião geral aponta para o resgate de um futebol protagonista.  Como ele reagirá a isso ainda é uma incógnita, mas chegou a hora de voltarmos o olhar para o outro lado da questão.
Dunga é só uma parte dessa equação. Seria um equívoco dizer que ele esbraveja em direção a fantasmas sem rosto. Suas respostas normalmente têm endereço e quase sempre são uma forma reação a comentários que ultrapassam a barreira da imparcialidade. Logo após o término da citada coletiva, o jornalista Paulo Vinícius Coelho escreveu que o trabalho de Dunga deveria ser observado de forma neutra e justa. Nada mais correto. Um novo ciclo se inicia e a análise precisa ser feita a partir do amistoso contra a Colômbia no dia 5 de setembro em Miami.
Lamentavelmente, não deve ser assim. A notícia de seu retorno caiu como uma bomba na imprensa esportiva e os efeitos foram sentidos de imediato. Seu nome foi rejeitado de forma quase unânime. A partir daí, uma caminhada que nem começou já foi alvo de todo tipo de ataque. Entre tantos, um chamou mais a atenção. Durante o programa Linha de Passe (ESPN Brasil) exibido na última segunda-feira, o comentarista José Trajano se declarou inimigo de Dunga. Sim, inimigo, como se houvesse uma guerra a ser travada. Em seu discurso inicial, o técnico se mostrou interessado em melhorar sua relação com a mídia, mesmo que suas armas verbais estejam por perto. Pelo visto, talvez tenha que usá-las bem antes do que imagina.
Imagem: Vanderlei Almeida/AFP

sábado, 19 de julho de 2014

Brasil no divã


Como não poderia deixar de ser, os dez gols sofridos pela Seleção diante de Alemanha e Holanda tiveram um efeito devastador sobre a opinião pública. Rediscutir toda a escola brasileira tornou-se pauta obrigatória na imprensa esportiva. Naquele momento, não era apenas o escrete canarinho que parecia estar em questão. Das categorias de base, passando pelo tipo de futebol que se joga no país, pela maneira como nossos atletas se desenvolvem no exterior, até chegar à defasagem dos técnicos nacionais, tudo o que foi construído ao longo do tempo deveria ser colocado à mesa.

De certa maneira, era como se as pessoas que se importam com esse esporte tivessem feito uma terapia de regressão para compreender o que deu errado no caminho até o massacre de 8 de julho. Era uma volta ao passado, uma tentativa de reencontrar as raízes perdidas de nossa cultura futebolística. Inevitavelmente, a busca faz uma parada no Mundial de 1982 onde, segundo o craque Paulo Roberto Falcão, a Seleção “perdeu a Copa, mas ganhou o mundo”. Para muitos, dali para frente o talento cedeu espaço para a força e volantes meramente marcadores usurparam o lugar dos antigos armadores. Até mesmo Telê Santana, mentor daquela inesquecível equipe, passou a escalar jogadores mais combativos do que criativos à frente de suas defesas depois da fatídica derrota para a Itália no estádio Sarriá.

Os títulos da Espanha em 2010 e Alemanha nesta Copa reafirmaram a tendência de um futebol voltado para o coletivo, protagonista e com jogadores multifuncionais no meio-campo. O mesmo que a Seleção Brasileira foi um dia, logicamente, com as peculiaridades daqueles tempos. Em meio a tantas constatações, passou-se a acreditar que um técnico estrangeiro poderia resgatar o que nenhum profissional local seria capaz de fazer. Nomes como Pep Guardiola e José Mourinho foram sugeridos, mas além de não estarem no mercado, seus estilos diametralmente opostos indicam que muitos ainda se preocupam mais com a grife do que com a proposta que deveria ser implantada.

Quando surgiu a informação de que a CBF não contrataria um nome estrangeiro, Tite surgiu como a escolha mais óbvia. Responsável por um dos projetos mais consistentes dos últimos anos, o ex-treinador do Corinthians era o ideal por reunir as principais qualidades que a missão necessita: Organização, entendimento do jogo, capacidade de motivação e atualização. É um estudioso, alguém que sempre procurou observar – até mesmo in loco – o que outros técnicos fazem pelo mundo, tipo de humildade pouco comum por aqui. Porém, pelo visto, essa obviedade esbarrou na ligação do técnico com Andrés Sanchez, conhecido opositor à cúpula da entidade. Não por acaso, notícias dão como adiantadas as tratativas de Tite com a Seleção Japonesa.

Na última quinta-feira, com o anúncio do ex-goleiro Gilmar Rinaldi como novo coordenador técnico do Brasil, veio enfim a sensação de que pouco ou nada mudaria. Com pouca experiência para uma função tão complexa, Gilmar, com o respaldo de Marin e Del Nero, deve apostar no retorno de Dunga ao comando da Seleção. Por mais que o capitão do Tetra tenha realizado um trabalho digno no ciclo 2006-2010, este não é o momento para a sua volta. Não quando se clama por um futebol que passe longe do estilo contra-ataque e bola parada. Na prática, isso significa a continuidade do tão abominado “resultadismo”, filosofia do “ganhar a qualquer custo” e que quando não vem acompanhada do resultado não traz quase nada consigo. Todavia, pelo andar da carruagem, os fãs do futebol brasileiro vão precisar de muita terapia nos próximos anos.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Foto: Agência Brasil

sábado, 12 de julho de 2014

Melancolia


Um prolongamento do massacre da última terça-feira. Assim pode ser definida a derrota para a Holanda por 3x0 na decisão do terceiro lugar. Desta vez, o choque parece ter dado lugar a um estranho vazio, como se tudo aquilo fosse esperado. Aos poucos, os bastidores da tragédia que se abateu sobre a Seleção Brasileira vão surgir. Enquanto a caixa-preta não se abre, este é o momento de refletir sobre o que aconteceu.

Apesar da conquista da Copa das Confederações, estava claro que a equipe tinha deficiências no meio-campo, sobretudo na saída de bola e armação de jogadas, e que a presença de um centroavante mais fixo acrescentava pouco à dinâmica do time. Questões que se perpetuaram durante o último ano e se mostraram ainda mais preocupantes no Mundial, incluindo a formação do grupo, como a coluna ponderou aqui. Tudo isso somado à perda de Neymar e a carga de ser o país anfitrião da Copa foram determinantes na queda da Seleção.

Durante a coletiva realizada após a derrota para a Alemanha, Luiz Felipe Scolari se assumiu como único responsável pelo acontecido. Ao mesmo tempo, se recusou a comentar possíveis falhas no planejamento e se apoiou num suposto “apagão” para justificar a eliminação. Logicamente, ninguém pode achar normal uma equipe sofrer quatro gols em seis minutos, mas a resposta não pode se limitar a isso. Desta vez, ao responder uma pergunta sobre a necessidade de se reciclar como profissional, o técnico preferiu apontar para uma suposta escassez de talentos da atual geração.

Nesse ponto, além da falta de autocrítica, houve uma tentativa de transferência de uma responsabilidade que ele mesmo havia assumido. Embora o grupo atual não seja tão experiente e talentoso quanto o de 2006, ele é claramente mais encorpado do que o de 2010, ocasião em que o escrete comandado por Dunga chegou apenas às quartas de final na África do Sul, mas apresentava um padrão tático muito mais definido, embora tivesse limitações, sobretudo, quando se deparava com defesas mais compactas.

Trata-se de um cenário que requer cuidado. Boa parte destes convocados tem idade e condições para estar presente no próximo ciclo e é fundamental não queimá-los agora. Ficando apenas no âmbito de Seleção Brasileira, creio que o próximo treinador terá muito trabalho para reconstruir o time, todavia, também terá material humano para fazê-lo. Que a cúpula de CBF, de quem pouco se espera, seja ao menos capaz de indicar em breve o sucessor de Felipão. Dentre as opções locais, nenhum nome desponta mais do que Tite. Resta saber se alguém será capaz de enxergar esse óbvio.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Foto: AFP

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Pontos e Vírgulas

Coluna destinada a comentar as opiniões emitidas pelo órgão responsável pela chegada de informações ao público aficionado por futebol: a imprensa esportiva. Afinal, bem ou mal, é através dela que tomamos conhecimento de (quase) tudo o que cerca o mundo da bola.

O outro lado da queda

Da mesma forma que é impossível falar em futebol brasileiro como uma coisa única, também não é correto representar a imprensa esportiva de maneira singular. Tite, possível sucessor de Scolari, não pode ser colocado no mesmo pacote de outros treinadores brasileiros que aparentam não fazer ideia do que está acontecendo no mundo. Deste modo, cabe a ressalva para os profissionais que cobrem o esporte de maneira séria e que refutam qualquer parcela de “achismo” nos seus trabalhos. O que vem a seguir não é para eles.

Ao mesmo tempo em que futebol é paixão, algo que qualquer pessoa pode apreciar, sua compreensão não é algo tão simples. Não em seu nível profissional. Para entendê-lo em sua totalidade, assim como um treinador faz com sua equipe e seus adversários, é preciso estudar, se aprofundar no tema. Talvez por ter nascido a partir de uma costela das antigas crônicas de jornal, grande parte da imprensa brasileira ainda enxerga o futebol como uma coisa lúdica, uma espécie de arte cuja finalidade é encantar pessoas. Se ele foi assim um dia, não é mais. Trata-se de um esporte de alto rendimento e se nele encontramos beleza e emoção, isso está muito mais ligado à sua natureza, ao manejo habilidoso da bola do que algo previamente estabelecido.

Piadas do tipo descrever o sistema 4-2-3-1 como linha de ônibus sempre esbarraram no ridículo, assim como a pilhéria com termos técnicos como “triângulo de base alta”. Não que esses termos sejam obrigatórios no vocabulário jornalístico, mas a percepção de que eles fazem parte do dialeto técnico, sim. Não por acaso, após a massacrante derrota da Seleção Brasileira para a Alemanha, poucas foram as análises realmente consistente do que aconteceu no Mineirão. Um jovem e bom comentarista, cujo nome não será citado por respeito, passou as 24 horas seguintes fazendo toda sorte de gracinhas com o acontecido. Do que houve em campo, pouco ou quase nada disse.

Ao longo da história, nossa Seleção – aqui entendida como o topo da pirâmide do futebol brasileiro – se reinventou algumas vezes. 1970 e 1994 são dois casos onde o problema da época foi compreendido e corrigido com resultado satisfatório. Se isso ocorrerá novamente agora só saberemos no futuro, mas seria providencial que no decorrer desse processo os profissionais de imprensa caminhassem juntos nesse sentido. Até para que possam tratar desse assunto com a seriedade e propriedade que o tema merece.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Lições de uma tragédia


Há 15 anos, após conquistar sua segunda Copa América seguida, a Seleção Brasileira comandada por Vanderlei Luxemburgo abriu mão de suas principais estrelas e rumou para o México visando a disputa da Copa das Confederações. Na estreia, um baile de 4 a 0 sobre uma envelhecida Alemanha. Naquele momento, olhando para nós mesmos, demos pouca importância ao que acontecia do outro lado. Uma das maiores camisas do futebol se encontrava em sérios apuros. Por incrível que pareça, ainda chegaram à final do Mundial de 2002 amparados pela grande fase do meia Michael Ballack, do então jovem artilheiro Miroslav Klose e da muralha Oliver Kahn. Desta vez, perderam por um placar menos elástico para o mesmo Brasil, porém estava claro que alguma coisa precisava mudar.

E os alemães mudaram. O futebol de força que utilizava líbero e atuava de forma mais espaçada deu lugar a um futebol técnico, compacto, fluído e, sobretudo, coletivo. Os resultados voltaram a acontecer, os títulos ainda não, mas não restam muitas dúvidas de que o caminho tomado estava certo. Depois dos 7 a 1 sofridos pelo Brasil no Mineirão, a maior derrota de nossa história, é inevitável que a reflexão mude de lado. O perigo está em não identificar os problemas de forma correta, algo que um resultado tão massacrante pode induzir.

A primeira reação é apontar o dedo para o futebol praticado no País. Dirigentes corruptos, calendário absurdo, métodos de treinamento ultrapassados, tudo isso realmente existe e precisa ser sanado. No entanto, nem todas as respostas se encontram aí. Neste 8 de julho, nove jogadores que iniciaram a partida atuam em clubes europeus e são comandados pelos principais treinadores do planeta. Os outros dois, o goleiro Júlio César e o atacante Fred também militaram no Velho Continente. Portanto, falar em diferença entre o futebol praticado no Brasil e na Europa seria, pelo menos diretamente, um equívoco.

Antes de tudo, é preciso entender o que foi esta derrota. A maneira como ela aconteceu. Depois de um início onde a vontade era maior do que a organização, a Seleção Brasileira deu mostras de que pretendia encarar a Alemanha de frente. Marcelo chegou a finalizar com perigo e um duelo equilibrado parecia surgir. Até que a Seleção sofreu o primeiro gol. Talvez pela ausência de Neymar, sua principal referência, e quem sabe por não apresentar uma estrutura tática capaz de reagir, o Brasil sofreu mais um gol. A partir dali, os três gols subsequentes são resultado de uma equipe intensa e bem postada contra outra emocionalmente destruída. Com os 5 a 0, ao fim da etapa inicial estava claro que a eliminação estava sacramentada.

Não é por coincidência que as duas derrotas mais dolorosas da Seleção nos últimos tempos esbarraram justamente no aspecto psicológico que não encontrava respaldo na organização. Em 1998, na França, uma equipe desnorteada pela convulsão de Ronaldo e mal organizada em campo por Zagallo levou 3 a 0 dos donos da casa. Agora, um time que trazia consigo um crônico problema de transição e se ancorava em Neymar viu tudo ruir quando seu craque deixou a competição. Em ambos os casos, a falta de uma equipe coesa o bastante para trabalhar nas adversidades. Como escreveu o analista de desempenho do Grêmio, Eduardo Cecconi, não é possível prescindir de organização no futebol moderno. Isso vale para clubes e seleções. Que o próximo técnico do Brasil seja escolhido por critérios técnicos e táticos, mesmo que sabendo que o lado psicológico também é relevante. E que este último aspecto não funciona sem os primeiros.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Foto: Ricardo Matsukawa/Terra

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Lesão de Neymar expõe falhas na convocação

Poucas vezes uma convocação de Seleção Brasileira gerou tão pouca discussão como a do grupo escolhido por Luiz Felipe Scolari para a disputa da Copa do Mundo de 2014. Entre as ausências, a mais lamentada foi a de Miranda, um dos destaques do Atlético de Madrid na temporada recém-encerrada. Mesmo assim, o fato de o zagueiro ser apenas um potencial reserva da dupla formada por Thiago Silva e David Luiz serviu para atenuar os ânimos. Entre os jogadores presentes na lista, o versátil Henrique foi o mais questionado, tendo seu chamado condicionado quase que exclusivamente à confiança que recebe do técnico.

No entanto, alguns episódios ocorridos no Mundial têm indicado que as escolhas de Felipão talvez não tenham sido tão certeiras quanto se pensou. Da reserva de Luiz Gustavo à inoperância de Jô, passando pela pouca confiança em Hernanes e Bernard, as partidas mostraram um grupo que não oferece opções seguras para o Brasil. Quando o volante do Wolfsburg foi suspenso por ter recebido dois cartões amarelos, muitos se preocuparam com a possibilidade de Henrique – atuando como lateral direito no Napoli – jogar. No fim, o substituto Fernandinho cumpriu bem suas funções defensivas, ainda que suas características não incluíssem ser um terceiro zagueiro como a Seleção muitas vezes necessita. Naquele momento, este colunista se lembrou do já recuperado Lucas Leiva, volante preterido pelo subutilizado Hernanes.

No recente encontro de Scolari com alguns jornalistas, o treinador revelou que, se pudesse, substituiria um de seus atletas. Não disse quem, não disse por que e isso provocou uma onda de especulações. Ao contrário do que as poucas contestações iniciais possam sugerir, não faltam opções. Além de Henrique e Hernanes, Bernard e Jô poderiam ser trocados para que isso representasse um ganho para a Seleção. Admirado por seu comandante por sua “alegria nas pernas”, o meia-atacante não se firmou entre os titulares do Shakhtar Donetsk desde que deixou o Atlético Mineiro. Nesse período, Lucas Moura resgatou seu melhor futebol do Paris Saint-Germain e chamou a atenção por boas jogadas em altíssima velocidade em gramados franceses. Sem dúvida, uma arma que Felipão poderia usar contra o improvisado lateral esquerdo Höwedes no duelo Brasil x Alemanha.

Por sua vez, Jô daria lugar a um atacante de mais mobilidade que pudesse alterar a forma da equipe jogar. Aqui, cabe recordar Jonas, atacante do Valencia, que pode atuar tanto como segundo atacante, quanto no comando do ataque. Possivelmente, Diego Costa seria o nome ideal para essa mudança, mas como se sabe, o aríete ex-Atlético de Madrid, ao não se sentir prestigiado pelo técnico brasileiro, preferiu aceitar a oferta de Vicente Del Bosque para integrar a Seleção Espanhola.    


Porém, nada se compara ao cenário que se instalou quando a equipe médica que acompanhou Neymar ao Hospital São Carlos em Fortaleza anunciou que o atacante estava fora da Copa. Um clima de velório se abateu sobre o País pela perda do camisa 10, mas também pelo vazio na resposta sobre quem jogaria nesse caso. Até este momento, Willian é o mais cotado para a vaga, todavia, o meia do Chelsea não tem o peso necessário para diminuir o impacto da fatídica notícia. Se, por exemplo, Kaká estivesse no elenco, provavelmente recairia sobre ele a tarefa de substituir Neymar no esquema 4-4-1-1 atual. Com o experiente jogador em campo, mesmo longe do seu auge, haveria tanto um respeito maior dos adversários quanto uma diminuição da preocupação pela saída da maior referência do time. Contudo, dizem que Felipão preferiu contar com reservas que não provocassem clamor da torcida em situações difíceis. Infelizmente, neste momento, os gritos vindos das arquibancadas se tornaram o menor problema do técnico.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Foto: Getty Images

sábado, 5 de julho de 2014

Como substituir o insubstituível


A informação veio como um choque: Com uma fratura na terceira vértebra lombar, Neymar está fora da Copa do Mundo. Naquele momento, as comemorações pela classificação para a semifinal e a vitória sobre a Colômbia perderam parte do sentido. Justamente após a melhor apresentação brasileira no Mundial, o principal jogador da Seleção não estará presente no duelo contra a Alemanha e nem numa eventual final. Complicado mensurar o tamanho da perda.

Aos poucos, olhando para trás, surgem exemplos de como ausências de grandes jogadores foram superadas ou se tornaram fatais para suas equipes. Nesta Copa, o Uruguai provou desse desgosto ao perder o astro Luis Suárez suspenso. Com o atacante em campo, vitórias sobre Inglaterra e Itália. Sem o artilheiro do Liverpool, derrotas para a surpreendente Costa Rica e para a sensação Colômbia, o que resultou em eliminação. Indo mais longe, é histórica a maneira como o jovem Amarildo substituiu Pelé em 1962 ajudando o Brasil a conquistar seu segundo título.

Outra ausência que o técnico Luiz Felipe Scolari vai precisar contornar é a do capitão Thiago Silva. Com dois cartões amarelos, o zagueiro está fora da semifinal. No entanto, Dante, seu provável substituto, pode cumprir difícil missão. Defensor de bom nível, o atleta do Bayern de Munique está acostumado a enfrentar jogadores alemães na Bundesliga, além de conviver com diversos nomes da Nationalmannschaft em seu próprio clube. Vale lembrar que a Alemanha também lamenta a perda de Marco Reus, então seu melhor atacante, com a crucial diferença de contar com diversos jogadores que atuam pela mesma faixa do gramado. Talvez a melhor comparação com a perda de Neymar seja a do meio-campista Michael Ballack, desfalque na final de 2002 diante do mesmo Brasil, ainda que o goleiro Oliver Kahn fosse o mais badalado.

A princípio, Willian deve ser o escolhido para a vaga do camisa 10 brasileiro. O meia do Chelsea tem treinado na função e aproveita o entrosamento com o companheiro Oscar. Com a alteração, a Seleção Brasileira deve perder em profundidade ofensiva, porém, pode ver seu meio-campo, setor mais preocupante no Mundial, se encorpando mais. Com o retorno do volante Luiz Gustavo, Felipão também dispõe da opção de tornar o time mais físico para combater o forte trio formado por Khedira, Schweinsteiger e Kroos. Seja qual for o escolhido, o certo é que a Seleção terá onze jogadores em campo na próxima terça-feira, ainda que num primeiro instante a sensação seja a de que perdeu meio time.

Coluna escrita originalmente para o site Doentes por Futebol.
Imagem: Eitan Abramovich/AFP

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Pontos e Vírgulas

Coluna destinada a comentar as opiniões emitidas pelo órgão responsável pela chegada de informações ao público aficionado por futebol: a imprensa esportiva. Afinal, bem ou mal, é através dela que tomamos conhecimento de (quase) tudo o que cerca o mundo da bola.

Quando o cérebro dá lugar ao fígado

Não saberia precisar em que momento a boa relação entre Seleção Brasileira e imprensa esportiva se rompeu. Talvez tenha sido após a evolução dos próprios meios de comunicação, quando o número de jornalistas cobrindo o escrete canarinho aumentou a tal ponto que a velha resenha com treinadores e atletas deixou de ser possível ou tão frequente, tornando a relação mais fria. Ou com a chegada de Ricardo Teixeira ao comando da CBF, um dirigente que sempre puniu com distanciamento quem ousava criticar ou investigar os atos de sua gestão. Quem sabe, a origem esteja no histórico Manifesto de Glasgow, documento redigido pelos jogadores brasileiros em junho de 1973 que expressava descontentamento com notícias que julgavam ser falsas.

O fato é que a relação não é boa. Isso se reflete nos comentários, na cobertura diária das principais competições, na análise de desempenho e, sobretudo, na cobrança por resultados. Logicamente, não se espera que a pressão por bom futebol seja amena num selecionado cinco vezes campeão mundial. O parâmetro estabelecido como ótimo passou a ser as seleções de 1970 ou 1982, obviamente, sem os problemas defensivos da última e com o tom turvo da memória afetiva. Tudo o que se fez depois disso parece insuficiente ou enfadonho, mesmo que os números não digam o mesmo.


É consenso que a Seleção comandada por Luiz Felipe Scolari não atravessa um bom momento. O crônico problema na saída de bola e da ligação direta persiste e foi potencializado pela pressão de se disputar um Mundial em casa. Sem dúvida, uma combinação perigosa que vem colocando em risco a permanência brasileira na competição. Paralelamente, outros postulantes ao título também enfrentam problemas de outra natureza e, até agora, ninguém desponta como grande favorito. Um bom exemplo é a Alemanha e seu quarteto de centrais na primeira linha e a forma kamikaze como enfrentaram – e quase foram eliminados – pela Argélia. Fosse com o Brasil, muita gente teria arrancado os cabelos.

A questão central não é reconhecer os defeitos da Seleção Brasileira. E nem observar com mais critério o que se passa do lado de lá. Isso deveria ser obrigatório para quem se propõe a trabalhar com futebol. A questão é a maneira como uma grande parcela da imprensa brasileira lida com a Seleção. Passa longe de ser o “jogar junto” erroneamente sugerido nesta semana por Felipão, mas não deveria ser a maneira quase colérica como alguns se comportam. Se a paixão deveria ficar de fora como prega a imparcialidade, o ódio também deveria. Talvez substituído por uma boa análise estatística das partidas. Mas creio que aí já é querer demais.


Imagem: Ari Ferreira/LANCE! Press